Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sábado, 13 de abril de 2019

The Handmaid’s Tale – O Conto da Aia: (2ª Temporada): desenvolvimento lento [SÉRIE]

Diferentemente da primeira temporada, o novo ano de série apresenta episódios arrastados e história que anda devagar, mas quando bem explorada, ainda tem qualidade ímpar.

Se distanciando do livro que deu origem a série, escrito pela canadense Margaret Atwood, a segunda temporada de “The Handmaid’s Tale – O Conto da Aia” apresenta mais detalhes do novo mundo construído pelo governo de Gilead (poder cristão fundamentalista mandatário nos Estados Unidos), além de aprofundar o passado e o sofrimento das Aias (mulheres férteis usadas como escravas com a única função de reprodução). Em comparação com a primeira fase, o segundo ano da série faz escolhas que tornam o desenvolvimento da sua história moroso, se arrastando durante treze longos episódios, trazendo dificuldade ao espectador em assistir à produção da mesma maneira que no seu início.

Começando de onde parou, a série retorna mostrando as consequências para as Aias de um gesto de resistência impetrado no fim da primeira temporada – apresentado até então como símbolo de um novo futuro, onde seria possível não obedecer a todas as ordens. Decidiram não apedrejar Janine (Madeline Brewer, “A Rebelião”), mas acabam sendo levadas para um antigo estádio de beisebol onde recebem tortura psicológica e física. A mensagem é clara: não tentem enfrentar e nem questionar Gilead. June Osborne, ou Offred (Elisabeth Moss, “Nós”), agora grávida e sabendo estar imune em função disso, tenta não cumprir ordens, mas descobre existir outras formas de ser castigada, às vezes mais dolorosas que físicas.

Enquanto Offred sofre em Boston, em outra parte do antigo território americano, passamos a conhecer como vivem as mulheres criminosas dessa nova sociedade. As ex-Aias Emily (Alexis Bledel, da série “Gilmore Girls”) e Janine são enviadas para as Colônias após cometerem diversos “crimes”. Lá elas têm como sentença trabalhar cavando em solo infectado na busca por uma solução para o problema ambiental que atingiu a terra, causado pela antiga sociedade industrial incumbida de comandar a América antes de Gilead. Também é sugerido que a causa principal da esterilidade de homens e mulheres, responsável pela consequente adoção de Aias como forma de perpetuar a espécie humana, está relacionada com o problema ambiental do solo.

Dos episódios apresentados neste novo período, o destaque vai para o segundo, “Unwomen”, quando vemos o destino cruel dos jornalistas após a ascensão de um novo governo pelos olhos de June após a Aia conseguir fugir dos Waterford. Abrigada na antiga redação do jornal The Boston Globe, ela descobre, após conhecer um pouco mais de cada profissional por meio de objetos pessoais em suas mesas de trabalho ainda intactas, que foram todos enforcados no porão do jornal. Mostrar como o jornalismo se comportou durante a escalada de um novo sistema político foi uma das falhas da primeira temporada, afinal de contas, como ninguém percebeu o desenrolar dos acontecimentos? Onde estava o jornalismo para prever tendências e esclarecer fatos? Em “Unwomen”, temos a ideia do como foi difícil para repórteres e editores sobreviverem neste novo governo.

“Smart Power” é outro episódio emblemático do novo ano da série. Pelos olhos de Serena Waterford (Yvonne Strahovski, “O Predador”), em missão diplomática no Canadá com o marido Fred (Joseph Fiennes, “Ressurreição”), vemos sua avaliação e saudade da vida antiga, quando não existiam limitações ou restrições de opiniões em uma sociedade plenamente livre e democrática. A conversa dela com um refugiado americano a deixa em contradição, só reforçando o papel dúbio da personagem, às vezes vistos como de vilã, às vezes como de protagonista.

Diferente da primeira temporada, conduzida de maneira fluída, intercalando passado e presente, em sua segunda fase “The Handmaid’s Tale” peca ao aprofundar demais as histórias contadas. O enredo demora muito para se desenvolver, os episódios ficam arrastados demais, passam a sensação de morosidade, de que dez minutos de narrativa levam duas horas para serem contados. O fato de explorar algo não contado no livro de Margaret Atwood reforça a ideia de uma temporada desenvolvida apenas para tentar levar a trama para algum outro lugar. Ainda bem produzida, com ótima fotografia e montagem – marcas positivas mantidas de um período para outro – a série perdeu muito nessa nova fase. Algumas histórias, como a fuga de June e sua posterior captura, são interessantes, mas poderiam ser contadas de maneira mais veloz. Sempre buscando chocar e trazer reflexão para o espectador, ainda consegue ser impactante mesmo assim. Só poderia ser mais objetiva.

Apresentando um final controverso, sem uma aparente motivação depois de tanto sofrimento para June, o balanço da segunda temporada de “The Handmaid’s Tale” é de uma série com argumentos fortes e uma discussão cada vez mais necessária. Principalmente por envolver a liberdade das mulheres, em maior grau, e o papel da imprensa aliado com os pilares responsáveis por sustentar uma democracia moderna, aqui dilacerados pelo governo de Gilead. A falta de objetividade, aprofundando demais a trama, traz uma segunda fase mais fraca que a primeira, mas que mesmo assim merece ser assistida. As discussões apresentadas são atuais e fortes o suficiente para manter o peso da história ainda em evidência.

Filipe Scotti
@filipescotti

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