Cinema com Rapadura

OPINIÃO   domingo, 07 de abril de 2019

Loja de Unicórnios (Netflix, 2017): a felicidade vem de dentro

Brie Larson estreia na direção com um filme simples e doce, mas raso e ingênuo demais. Mediana como diretora, embora muito boa atriz, entrega uma obra com uma mensagem atemporal e consegue entreter.

Uma jovem artista que é rejeitada pelo meio e se sente fracassada retorna à casa de seus pais para reavaliar sua vida e procurar se reerguer. Quando decide se resignar a uma vida comum, que apaga tudo que a torna uma pessoa única e diferente, ela recebe uma carta de um lugar chamado “A Loja” onde ela conhece “O Vendedor” que promete vender o que ela precisa. Animada com a chance de ter um sonho de infância realizado, ela procura mudar para se adequar às demandas feitas pelo produto final, embarcando assim numa jornada de amadurecimento e autoconhecimento. Essa é a premissa de “Loja de Unicórnios”.

Com sua estreia no Festival Internacional de Cinema de Toronto em 2017, o longa foi oficialmente lançado dois anos depois pela Netflix, que adquiriu os direitos de distribuição. Lançado na oportuna data do início de abril, poucas semanas após o lançamento do bilionário “Capitã Marvel”, o filme embarca na estratégia de vender a figura de Brie Larson (“O Quarto de Jack”), que interpretou a heroína nas telas, e sua bem-sucedida parceria com Samuel L. Jackson (“Vidro”), que rendeu excelentes momentos na obra da Marvel.

Aqui, Larson protagoniza, produz e estreia na direção. Novata na função de comandar um longa-metragem, a oscarizada atriz entrega um trabalho de diretora que não inova e ainda precisa de tempo para melhorar. Ela se aventura numa obra que deve balancear drama e comédia, mas infelizmente erra o tom em várias cenas. Há um bom início com uma montagem de vídeos caseiros mostrando sua personagem crescendo e isso é bem ligado a ela já adulta fazendo sua arte, bastante satisfeita e feliz. A câmera está fechada nela em seu momento de criatividade e satisfação e, subitamente, corta para um plano aberto que surpreende ao mostrar que ela está numa aula de arte e foi a única que pintou com cores variadas e fora da moldura. É uma ótima sequência de abertura que já traz uma simples e eficiente metáfora visual para dar o tom ao filme. É uma pena que daí para frente a qualidade não se mantenha com esse fino equilíbrio, ora funcionando, ora esquisito demais. Larson ainda precisa achar a mão certa na carreira de diretora. Com mais experiência e tempo, pode vir a entregar ótimos trabalhos no futuro.

Entretanto, se é mediana na direção, Larson é ótima atriz. Sua personagem é carismática, alegre e ingênua na medida certa para conseguir se conectar com quem já teve as mesmas dúvidas sobre si. Aliás, os atores conseguem carregar um longa com roteiro simplório que por vezes não avança algumas das tramas que apresenta. É graças ao elenco que o filme rende uma boa sessão e a presença de Samuel L. Jackson marca a quarta vez que trabalha com Larson. Como em “Capitã Marvel”, a química entre os dois funciona desde a primeira tomada e o ator é ótimo como o excêntrico Vendedor da mística Loja.

Há um bom trabalho de cores no filme. A personagem principal se sente feliz e à vontade quando cercada de muitas cores diferentes e glitter. Com sua queda no início da história, ela passar a usar cinza e mergulha num ambiente com tons frios. A Loja vem trazer uma pequena faísca colorida para ela nesse momento e, conforme ela avança em sua jornada, mais as cores voltam a fazer parte de seu figurino. Há aqui uma oportunidade perdida de discorrer sobre como a sociedade massacra seus indivíduos que tentam pensar ou agir fora da caixa, a discussão promovida é rasa e sem peso.

Outros bons nomes no elenco são Joan Cusack (“De Repente uma Família”) e Bradley Whitford (“Godzilla II: Rei dos Monstros”), que interpretam os pais da protagonista. Cusack traz seu carisma de sempre, com uma mistura de carinho e energia que qualquer câmera adora, e Whitford faz um pai calmo, mas também ingênuo e, à sua maneira, sonhador. O coadjuvante Mamoudou Athie (“O Círculo”) tem um papel importante na trama e não titubeia ao contracenar com uma atriz de peso como Larson. E Hamish Linklater (“A Grande Aposta”) trabalha bem ao entregar uma mistura de asqueroso com blasé. Seu personagem, aliás, ilustra uma qualidade e um defeito do filme: ele é muito bem construído ao representar uma metáfora do mundo tedioso e sem vida no qual a protagonista se mete, mas também é um retrato das grandes falhas do roteiro, que apresenta alguns conflitos que não vão para lugar nenhum de fato.

Outro problema do roteiro é fazer seus personagens parecerem ingênuos demais em alguns momentos. Fica clara a tentativa de mostrar como a protagonista vê o mundo, mas ele não consegue ancorar isso com a realidade de maneira crível. Não fosse pelo bom trabalho dos atores, o filme afundaria vertiginosamente.

“Loja de Unicórnios” não tenta ser uma obra grandiosa de drama sobre o ser humano. É simples, sem grandes pretensões e sabe disso. Ao abraçar o tom leve para entregar sua mensagem da importância de uma pessoa ser verdadeira consigo mesma, não cria grandes expectativas e isso provavelmente o salva. Com um bom elenco encabeçado por uma excelente atriz, o longa, no final das contas, tem êxito em ser inspirador.

Bruno Passos
@passosnerds

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