Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sábado, 13 de abril de 2019

O Profissional (1994): sinfonia de Besson [CLÁSSICO]

Luc Besson filma a ação como poucos, dando a ela um visual peculiar. Porém, é a improvável relação de Léon com Mathilda e suas trocas de experiências que empolgam de verdade.

Léon (Jean Reno, “Ronin”) é um assassino de aluguel, que faz seu trabalho com uma precisão invejável. Ainda assim conserva em si um ser humano de hábitos mundanos e um pouco esquisitos. Sua rotina muda quando conhece Mathilda (Natalie Portman, “Vox Lux – O Preço da Fama”), uma garotinha que viu a família inteira ser assassinada e que agora busca vingança. Juntos pelo acaso, os dois acabam desenvolvendo um amor fraternal que marcará suas vidas e transformará o futuro deles. Assistir “O Profissional” anos depois de seu lançamento ainda tem um sabor especial. É um filme de ação competente, sangrento, levado por um protagonista letal, que silenciosamente surge e desaparece pelas sombras. É um drama elaborado que repousa sua força na amizade improvável entre esse mesmo protagonista e uma órfã cheia de atitude. Versátil, sabe transitar tanto pelo humor mais leve como pelo mais pesado em meio aos momentos de tensão. Dito isso, espere uma obra inventiva, dirigida com classe, atuações inesquecíveis e um final memorável.

As quase duas horas de projeção funcionam como uma sinfonia e o maestro desse concerto, o diretor francês Luc Besson (“Valerian e a Cidade dos Mil Planetas”), a conduz com estilo, imprimindo energia nas sequências de combate ao passo que leva o drama de maneira sensível e atraente, e criatividade, usando a câmera para registrar as ações por diferentes ângulos. Curioso pensar que, num de seus diálogos, o policial corrupto Stansfield (uma interpretação potente e insana de Gary Oldman, de “O Destino de uma Nação”) menciona o estilo do compositor Beethoven, cuja música, segundo ele, alterna entre períodos de tormenta e outros de calmaria. Tal citação reproduz muito bem a forma adotada pelo diretor para ditar o ritmo de sua narrativa. No entanto, ao contrário do que Stan afirma sobre a obra do alemão ser monótona quando chega a parte calma, na película de Besson essa mesma parte é tão arrebatadora quanto sua tormenta.

A tempestade regida por Besson, efeito da ação estilizada e da montagem articulada, promove um espetáculo violento, porém, seria apenas mais um filme de gênero se não contasse com figuras minuciosamente desenhadas, excêntricas e de performances avassaladoras, a começar por Léon. Exímio matador, ele assusta com seu nível de conhecimento acerca de seu ofício. Inteligente, sorrateiro e de poucas palavras, difere-se do clichê dos matadores graças a sua composição singular, a qual diz muito sobre sua personalidade. Nos primeiros minutos de sessão, um plano-detalhe num copo de leite já revela sua natureza infantil, comprovada mais tarde ao expor uma pessoa mentalmente mais lenta e emocionalmente reprimida. Usa touca, óculos escuros, calças curtas, um sobretudo gasto e seu caminhar é desconfiado. Além disso, passa a roupa, troca o branco pelo preto na hora de dormir – sentado e armado – e tem uma planta de estimação, elemento de extrema importância na narrativa.

Munido de todas essas particularidades, Reno confere a Léon um ar simpático e complexo, desperta afeto e, por vezes, provoca pena. Contudo, na hora da ação faz valer o vigor de um assassino. Sua parceira de cena, uma pequena Natalie Portman com 12 anos recém completados no set de filmagem e em seu primeiro trabalho, apresenta-se como um colosso. Ela atribui à Mathilda, com naturalidade ímpar, um misto de sentimentos oriundos da negligência por parte da família. Sua motivação é simples e ainda assim muito plausível. É o coração da história, que emociona, cativa e alegra. Com ela, no entanto, a direção se excede, já que mais de uma vez insiste em sexualizá-la, seja por meio de diálogos, figurino ou fotografia. Esse fato incomoda não só o espectador que está ali para apreciar o filme, mas o próprio Léon, cujo desconforto surge imediatamente após algumas dessas insinuações e serve para salientar o caráter dele assim como o jeito terno com o qual enxerga Mathilda.

Analisando seu âmago, é possível compreender o objetivo do roteiro de Besson em querer retratar o nascimento de um amor inocente de uma garotinha – cuja saída para sobreviver aos maus tratos do pai foi amadurecer muito cedo – para com seu salvador, um homem que a trata com respeito e carinho, coisas que ela jamais teve em sua complicada vida que só está começando. Sabendo disso, a sexualização de Portman poderia ter sido evitada e a narrativa seria capaz de seguir sem polêmicas e alterações. No material brasileiro de divulgação de “O Profissional” vinha a seguinte frase: ‘Faz “Velocidade Máxima” parecer um passeio até a casa da vovó.’ Perfeito. E cabe mais, esse clássico traz o melhor assassino de aluguel do cinema, a estreia infantil mais notável que a sétima arte já viu e um vilão doido e carismático ao mesmo tempo. Coloque esses três elementos sob a batuta de um diretor virtuoso e pronto! Está armada uma sinfonia comovente, divertida e agradavelmente sanguinolenta.

Renato Caliman
@renato_caliman

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