Cinema com Rapadura

OPINIÃO   quinta-feira, 28 de março de 2019

Vox Lux – O Preço da Fama (2018): nasce (e tomba) uma estrela

"Vox Lux" é uma história comum de "rumo ao estrelato", narrada sob um ponto de vista diferente, mas pecando na forma como é contada.

A fama costuma ser retratada nas telonas como uma maravilha, capaz de transformar a vida de celebridades em algo gigantesco e melhorar completamente a existência de quem é agraciado por esse presente. Contudo, basta observarmos a nossa realidade para vermos casos de artistas que se destroem das mais variadas formas, e muito disso se deve a não saber lidar com a fama. “Vox Lux – O Preço da Fama” aborda esse aspecto da glória, mostrando, de forma peculiar, a ascensão e o apogeu de uma cantora.

Talvez o grande diferencial – o que não necessariamente configura uma coisa boa – seja a forma pela qual o diretor e roteirista Brady Corbet (“A Infância de Um Líder”) escolheu para contar essa história. A narrativa começa mostrando um tremendo ponto de virada na vida de Celeste (interpretada na fase jovem por Raffey Cassidy, “O Sacrifício do Cervo Sagrado”), quando um assassinato em massa acontece em sua escola durante uma aula de música. Após estar entre a vida e a morte ao ser atingida por um tiro, Celeste emociona a todos ao cantar uma música durante uma celebração fúnebre em favor das vítimas fatais do massacre. A partir daí, a jovem entra em um processo de edificação de sua própria imagem, construindo o que seria a próxima grande estrela do pop.

Até então, nada de novo, a não ser pela sombria premissa, apresentada de uma maneira muito fria no prólogo da obra. Porém, a forma peculiar da narrativa se mostra exatamente depois do estrelato da cantora. Durante a primeira metade da produção, vemos a evolução e ascensão de Celeste como uma celebridade, e o quanto os artistas musicais são literalmente fabricados pela indústria, seguindo determinações de agentes e empresários, aqui caracterizados pelo produtor sem nome interpretado por Jude Law (“Capitã Marvel”). Entretanto, o diretor decide dar um corte seco e completar um salto temporal enorme, aterrissando em uma Celeste mais experiente (agora interpretada por Natalie Portman, “Aniquilação”), apesar de não tão madura quanto se esperaria.

A cantora, no auge da fama e com uma filha (Albertine, também interpretada por Raffey Cassidy), ensina como uma carreira de sucesso bem planejada e executada pode, ainda assim, sucumbir aos problemas de um ser humano. É fato que as cenas que Corbet decide exibir na metade final de “Vox Lux”, à exceção do apoteótico encerramento, são banais e pouco acrescentam ao desenvolvimento ou ao entendimento da história como um todo. Porém, o que vemos em tela serve para compreendermos a que ponto é possível chegar alguém que até então se mostrava doce, inocente e descobrindo a vida, mas agora é dotada de uma personalidade explosiva e cheia de vícios destrutivos, afetando não só a própria existência (corpo e alma), mas também a relação com a filha e a ainda inseparável irmã Eleanor (Stacy Martin, “Todo o Dinheiro do Mundo”).

A forma fragmentada como Corbet conta a sua história não é a única decisão técnica que faz de “Vox Lux” um produto ímpar. A estética visual do longa é excelente, sobretudo a fotografia obscurecida e gélida, deixando claro desde o início que não se trata de uma obra feliz ou esperançosa. Adicionado a isso está a narração marcante de Willem Dafoe (“No Portal da Eternidade”), capaz de passar toda a dureza da narrativa apenas com sua voz. A maneira como o diretor grava também é muito interessante, com direito a longos planos onde vemos Celeste e seu pessoal quase sempre pelas costas, como se estivéssemos a todo momento perseguindo a famosa – ou a própria fama. A cantora inclusive se mostra desconfortável com essa situação, chegando a discutir grosseiramente com o gerente de um restaurante que havia pedido uma foto, ou ainda evitando passar pelos fãs que se aglomeravam na entrada do hotel.

Ainda assim, a segunda metade da obra sofre com um ritmo lento e cenas desinteressantes. Natalie Portman exagera muito nas reações, e embora isso pareça fazer sentido com a transformação da protagonista, por vezes a atuação não soa natural o suficiente. Raffey Cassidy, por outro lado, funciona perfeitamente como a Celeste jovem, inocente e com um ar tentador, construindo uma imagem notável de alguém que está conhecendo algo novo para depois mergulhar de vez nesse mundo – essa parte poderia facilmente render momentos agradáveis, mas essa possibilidade foi totalmente limada pelas escolhas do diretor. Ainda temos um elenco de apoio com qualidade, que no entanto nunca tem espaço o suficiente para brilhar, resultando em atuações que possuem poucos momentos de destaque, mas que acabam se tornando esquecíveis no decorrer do filme.

Outra decisão contestável da produção é em relação ao uso da música, que se mostra bem mais contido do que em outros longas musicais lançados na mesma época, como “Nasce Uma Estrela” e “Bohemian Rhapsody”. A trilha sonora, composta pela cantora Sia, apresenta qualidade principalmente por fazer jus ao que o próprio filme critica: as canções repetitivas e sem alma do mundo pop. A própria Celeste cita que faz música “para as pessoas não pensarem enquanto escutam”. Mesmo assim, parece fazer falta a inserção de mais momentos onde o canto ou as apresentações se destaquem, especialmente na segunda metade, quando seria possível compensar o desenvolvimento débil da narrativa com cenas que enaltecessem o talento vocal e artístico de Celeste – afinal, trata-se da carreira de uma cantora.

O espaço que resta para “Vox Lux” ocupar é o das mentes dos espectadores que gostam de montar filmes dentro de suas próprias cabeças. Sobretudo graças ao final aberto e (teoricamente) ambíguo, a obra deixa tantas lacunas a serem preenchidas que é quase como se cada pessoa pudesse assistir a algo diferente. Para uns, pode se tornar o próximo cult genial e injustiçado que será sempre defendido, tal qual um fã de carteirinha. Para outros, o longa deve ser tão efêmero quanto as carreiras de muitos artistas de ascensão e queda igualmente meteóricas. Assim como um bom debate sobre música, resta saber de que lado você estará.

Martinho Neto
@omeninomartinho

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