Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sexta-feira, 29 de março de 2019

The Dirt – Confissões do Mötley Crüe (Netflix, 2019): (muito) sexo, drogas e rock ‘n’ roll

A cinebiografia do Mötley Crüe mostra sem medo o lado libertino da vida de excessos da banda, mas peca ao não investir no que tem de melhor: os músicos.

Em 2001, a banda Mötley Crüe lançava a autobiografia “The Dirt”. Cinco anos mais tarde, o projeto de adaptação cinematográfica da obra literária começa a ser noticiado. Anos passaram e vários problemas impediram que o plano seguisse em frente. A Netflix adquiriu os direitos, tocou a produção e o filme “The Dirt – Confissões do Mötley Crüe” foi lançado em março de 2019.

O título significa “a sujeira” em tradução livre, e o filme vai fundo nisso. Não há o menor receio em mergulhar na escatologia e há bom uso da classificação indicativa alta para mostrar, sem pudor, a pesada vida de sexo, drogas e rock ‘n’ roll pela qual a banda ficou famosa. É impressionante que todos os membros ainda estejam vivos para produzir este longa.

Apesar do fato dos membros não apresentarem medo de revelar seu lado sujo merecer elogios, o roteiro peca quando o filme basicamente se resume a isso. Há pouco aqui sobre quem os músicos são como pessoas. Há carência de uma jornada, de um desenvolvimento de arco narrativo. Assim como “Bohemian Rhapsody”, o longa se resume a uma lista de acontecimentos na trajetória da banda ao invés de um mergulho na alma dos rock stars.

Além do mais, cinebiografias de músicos costumam ser parecidas. Os membros se conhecem, alcançam a fama, mergulham na vida de luxúria e drogas, daí o prestígio e a qualidade decaem, há brigas e conflitos, se reaproximam, se redimem e renascem como humanos mais maduros. “The Dirt” não foge dessa regra, mas isso não é ruim em si, afinal, se essa é a história da banda, é ela que tem que ser contada. No entanto, conhecer a fundo os integrantes seria mais interessante do que só ver representações visuais do quanto eles destruíam quartos de hotel e transavam com qualquer mulher que chegasse perto.

O longa tem seus momentos. Ele é narrado em off por todos os integrantes, que se revezam para contar histórias e pontos de vista distintos, muitas vezes mesclados por pontos em que aquele que está narrando termina sua fala diretamente para a câmera, quebrando a quarta parede. São momentos interessantes e, em alguns, o filme brilha; em outros, se revelam como um preguiçoso roteiro que precisa de exposição barata.

A direção de Jeff Tremaine (“Vovô Sem Vergonha“) foca apenas no que o mesmo já fez várias vezes – dirigir filmes da série “Jackass” – e mergulha na escatologia em vez de nos personagens, que são intrigantes, mas têm seu desenvolvimento apressado. Ele acaba transformando cenas com potencial de serem memoráveis em momentos piegas. A inconsistência atinge a montagem, que se tem um instante de gênio quando acompanhamos o ponto de vista do baterista Tommy Lee (Colson Baker, de “Bird Box”, também conhecido como Machine Gun Kelly) relatando o que são 24 horas na vida de um roqueiro hardcore enquanto está em turnê. Também há pontos de cortes amadores que causam estranheza e tiram o espectador da cena. Um bom exemplo é quando Nikki Sixx reage a algo que a mãe diz sobre uma de suas músicas.

Sim, há adequações da história real para as telas para que tudo flua melhor enquanto obra cinematográfica. O longa ganha pontos quando aborda isso diretamente de maneira divertida, como a cena em que explicam que um dos gerentes da banda (Doug Thaler) não está no filme. Entretanto, levanta-se a questão também de poder ter havido escolhas melhores sobre os conflitos que estão no longa. Alguns são largados ou resolvidos de maneira tão veloz que, narrativamente falando, será que valia a pena estarem lá? Bons exemplos disso são a doença de Mick Mars (Iwan Rheon, de “Game of Thrones”) ou a relação de Tommy com seus pais, ambos elementos importantes nas vidas dessas pessoas, mas que aqui parecem notas de rodapé.

Apesar de todas as falhas, o filme ainda assim diverte. O absurdo do estilo de vida do Crüe levanta interesse e é impossível não se pegar pensando “não acredito que eles fizeram isso” repetidas vezes. Os atores também fazem as cenas render e encarnam seus personagens com afinco. Douglas Booth (Com Amor, Van Gogh), como o baixista Nikki Sixx, caminha no equilíbrio certo entre caricato e real; Rheon entrega alguém que carrega consigo uma constante preocupação; Daniel Webber (da série “O Justiceiro”) como o vocalista Vince Neil é quem passa por mais camadas; e o Tommy Lee de Baker é um menino deslumbrado com o sucesso. As personas dessas figuras marcantes do rock estão bem representadas.

Ainda que raso onde não poderia ter se dado ao luxo de ser, “The Dirt – Confissões do Mötley Crüe” faz bom uso da alta classificação indicativa para ilustrar o cotidiano de excessos e abusos dos membros da banda, que conta com bons atores que conseguem entregar a química que os membros têm no palco e a loucura com a qual tocavam suas vidas. Para aqueles que são fascinados em aprender sobre o mundo de estrelas do rock e, principalmente, para os fãs do Crüe, o filme vai render ótimos momentos.

Bruno Passos
@passosnerds

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