Cinema com Rapadura

OPINIÃO   quarta-feira, 20 de março de 2019

O Retorno de Ben (2018): árduo limite entre amar e confiar

Julia Roberts e Lucas Hedges apresentam um filme sem grandes méritos sobre os impactos sociais da dependência química, mas com uma boa tese em prol da família.

Holly Burns (Julia Roberts, “Extraordinário”) está para comemorar mais uma noite de Natal com sua linda família. Sua filha adolescente, Ivy (Kathryn Newton, “Não Vai Dar”), se prepara para cantar no coral da igreja, e seus dois filhos pequenos, frutos de um novo casamento, farão parte da peça de teatro. Momentos felizes de uma família de classe média americana, mas que se tornam incertos de repente porque Ben (Lucas Hedges, “Manchester à Beira-Mar”) está de volta. Dirigido por Peter Hedges (“A Estranha Vida de Timothy Green”), pai de Lucas, “O Retorno de Ben” lida com o drama de Holly para cuidar do filho mais velho e viciado em drogas, que resolveu sair do centro de reabilitação de surpresa para passar o feriado com a família.

O roteiro, também de autoria de Peter, poupa exposições de fatos em diálogos e deixa o espectador ligar os pontos sozinho sobre o que realmente significa a chegada de Ben de volta à casa. Enquanto os irmãos pequenos e seu cachorro Ponce pulam de alegria, Holly sorri de nervoso e tenta fazer com que Ben se sinta confortável ao mesmo tempo que acalma seu marido Neal (Courtney B. Vance, “A Múmia”) e Ivy. Como numa peça de teatro, o jogo de reações entre os personagens aos poucos ilustra a fragilidade da situação. Uma pessoa viciada em drogas, longe do centro de reabilitação e do acompanhamento próximo de seu “padrinho”, é altamente suscetível a recaídas, ainda mais ao voltar ao lar repleto de gatilhos e cujas sombras de traumáticas tentativas passadas de retorno ainda mexem com os nervos da família.

A dinâmica familiar favorecida por ótimas atuações caminha sobre um lago congelado em relação ao perigo de sucumbir aos clichês do drama. De um lado está um personagem de passado problemático dizendo que dessa vez será diferente, do outro está a família traumatizada, e no meio, a mãe ansiando para que tudo dê certo neste Natal. É uma receita que poderia justificar vários filmes medíocres, mas “O Retorno de Ben” ousa ser um pouco diferente. Holly não é uma mulher inocente e cega pela esperança. Por mais que ela queira acreditar que o filho esteja “curado” para então poder voltar a confiar nele, ela sabe que a dependência química é uma vilã muito mais ardilosa e resolve se manter firme na cola do filho. Ben aparenta ter boas intenções e um desejo de recuperar o tempo perdido com a família, mas o filme segue a perspectiva da mãe e sua sensação de suspeita é predominante. Se fosse possível resumir a relação entre os dois personagens, seria uma fina linha entre amor e desconfiança.

Em situações que ocorrem fora do ambiente familiar, novos ângulos sobre a história pregressa são apresentados e acentuam o clima de tragédia. Quando a família volta do evento natalino da igreja e descobre a casa arrombada e seu cachorro sumido, Ben entende que ainda há contas a pagar, sai em busca de resolver seus problemas e, é claro, Holly vai atrás. A escura e fria cidade então se torna um personagem à parte com situações que expõem a mãe de Ben ao cruel mundo do tráfico e do consumo de drogas, que permeia as sombras do sonho americano de famílias perfeitas. Numa viagem investigativa em carros SUVs, o tom do filme muda para o noir, e a incapacidade de Holly para tomar controle da situação potencializa a angústia e o medo de um possível desfecho triste para personagens que, a essa altura, já ganharam o apreço do público.

Julia e Lucas fazem um bom trabalho em sustentar uma relação instável pelas circunstâncias e que põe à prova os limites do amor entre pais e filhos. Curiosamente, outras obras da mesma safra tratam de um conjunto de sentimentos equivalente. Em “Boy Erased – Uma Verdade Anulada”, filme também protagonizado por Hedges, seu personagem encontra suporte incondicional da mãe durante um problemático tratamento de conversão gay. E em “Querido Menino”, o vício em drogas também é o vilão que afeta a relação entre um garoto e seu pai, frustrado por não conseguir efetivamente ajudá-lo. São exemplos que refletem a importância dos valores da família na cultura norte-americana e colocam a questão das drogas como um grande problema social a ser enfrentado. “O Retorno de Ben” não chega a ser marcante em nenhum momento, porém, é um drama bem liderado sobre as consequências trágicas da dependência química no seio familiar.

William Sousa
@williamsousa

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