Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sábado, 23 de março de 2019

Asfalto de Sangue (Netflix, 2017): rotina extenuante

Acertando nas questões técnicas e subjetivas do enredo, filme mostra percalços de piloto de moto que busca se firmar na carreira, mas antes precisa conciliar o sonho com o cansativo trabalho de entregador de drogas.

Para quem já teve a oportunidade, andar de moto traz uma sensação incrível de liberdade e de contato com a natureza. Tirando todo o lado negativo, principalmente quando se trata de acidentes, é realmente uma oportunidade prazerosa. Apostando no tema, “Asfalto de Sangue”, produzido em 2017 e lançado no Brasil pela Netflix, apresenta a história de Tony (François Civil, “O Que Nos liga”), um piloto de moto que vê sua vida mergulhada em um caos.

Buscando ajudar Leyla (Manon Azem, “Missão – Amsterdam”), mãe do seu filho ameaçada de morte após perder um pacote de drogas de traficantes portugueses liderados por Miguel (Olivier Rabourdin, “Chocolate”), Tony aceita trabalhar por dois meses como entregador de entorpecentes até quitar a dívida da mulher. Para isso, ele precisa fazer percursos perigosos, sempre à noite e em tempo exíguo, sob o risco de sofrer acidentes ou ser pego pela polícia, ou pior, ser morto pelos próprios traficantes. Se isso não bastasse, o piloto ainda trabalha em um depósito e sonha em se tornar corredor profissional, tendo sido chamado a participar de um teste de uma grande equipe francesa de MotoGP.

A luta de Tony para manter todos os seus compromissos – alguns ocorrendo quase simultaneamente -, se torna o principal atrativo do filme. Quase como uma metáfora, a história do motoqueiro encurralado por todos os lados mostra, principalmente nestes tempos modernos, onde estamos sempre conectados e trabalhando, os dilemas e as pressões da vida social. Seja sonhando em ser um piloto respeitado – atingindo o ápice na carreira – ou simplesmente conseguindo realizar bem seu trabalho ao final do dia, “Asfalto de Sangue”, talvez não intencionalmente, serve como lição de vida sobre a rotina e o quanto o corpo aguenta de trabalho e estresse. O olhar assustado e a feição de cansaço no rosto de François Civil mostram o quanto essa rotina está degastando sua mente e seu corpo. Torcemos para os dois meses de trabalho quase forçado passarem rapidamente para Tony conseguir se dedicar apenas ao sonho de se tornar corredor profissional.

O diretor e roteirista Yann Gozlan (“Mecânica das Sombras”) dita um bom ritmo ao filme, muito graças à boa montagem utilizada. Ele faz isso ao pontuar os momentos de ação, quando Tony pilota sua moto, empregando maior velocidade nos cortes de cena e fazendo o oposto nas sequências de diálogo – onde a tensão continua presente, mas os planos utilizados são mais longos. As cenas contraditórias, que usam do silêncio quando o protagonista está em uma barulhenta corrida ou pilotando a duzentos e cinquenta quilômetros por hora nas noites da França, aliado com a fotografia, com câmeras bem posicionadas, trazendo imagens de impacto e que trazem toda a sensação de velocidade na moto, expõem outro ponto positivo do filme.

O que tira o brilho de “Asfalto de Sangue” é seu enredo capenga e suas fracas motivações, faltando contexto e coerência em seu conteúdo. É difícil acreditar – não somos convencidos disso em nenhum momento – do porquê ser necessário ter um motoqueiro para transportar drogas, por exemplo, quando um carro poderia fazer o mesmo serviço. Além disso, o plot de Tony e Leyla carece de melhores explicações, principalmente a respeito do relacionamento dos dois, gerando uma criança. Outra ponta não explorada diz respeito à condição social do protagonista. Ele conhece Leyla e Moussa (Narcisse Mame, “Uma Agente Muito Louca”), um traficante amigo de Tony, em um bairro de subúrbio francês, e a falta de contexto nesta história poderia render um arco narrativo interessante para o piloto. Qual motivo levaria um jovem com melhores condições de vida a frequentar o subúrbio? Seria em função do mundo do motociclismo? O desfecho no sonho de Tony em ser corredor profissional é outro ponto ruim, sendo apresentado de maneira apressada, faltando receber mais dedicação e tempo de tela, principalmente por ser a maior motivação do personagem principal.

Errando onde focava, mas Acertando onde não se esperava, “Asfalto de Sangue” mostra uma história inconsistente e inverossímil onde as questões técnicas e o não- dito acabam tornando a obra, até certo ponto, interessante e atrativa. Fazendo uma analogia presente na produção, para quem é viciado em assistir filmes e séries, de todos os tipos e gostos, o vício de andar de moto é o mesmo: não sai do sangue. Vale o esforço de assistir.

Filipe Scotti
@filipescotti

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