Cinema com Rapadura

OPINIÃO   domingo, 03 de março de 2019

Albatroz (2018): não chega a ser bom, mas quase

O bom elenco e uma premiada equipe técnica não dão conta de uma história que se perde em sua própria megalomania.

Simão (Alexandre Nero, “João, o Maestro”) é um fotógrafo que viaja à Jerusalém com a atriz judia Renée (Camila Morgado, de “Olga”), sua amante, e testemunha uma tentativa de atentado que termina com o terrorista linchado publicamente. O clique lhe dá fama e prestígio internacional, mas também transforma-se em sua desdita, levando-o a uma trama surrealista e alucinatória que envolve neurociência e uma namorada de infância, Alicia (Andrea Beltrão, de “Som e Fúria”), além de colocar em risco seu casamento e a própria vida de sua esposa Cats (Maria Flor, também de “Som e Fúria”).

O argumento é assinado por Bráulio Mantovani, um dos mais respeitados roteiristas nacionais, indicado ao Oscar pela célebre adaptação de “Cidade de Deus” (2002), de Fernando Meirelles, e coautor dos filmes Tropa de Elite” 1 e 2 (2007, 2010). Nota-se, assim, certas assinaturas do escritor, afeito a fios narrativos que se sobrepõem numa ordem não cronológica e fortemente marcado por uma montagem disruptiva (aqui assinada por Fernando Stutz, de “Rodantes”), a fim de gerar desorientação e tensão na audiência. O que havia funcionado muito bem outras vezes, especialmente em Cidade, aqui faz a história perder-se em subcamadas que se misturam sem se desvelarem em uma conclusão lógica ou ao menos satisfatória, fazendo-nos sair da sessão sem entender muita coisa do que acabamos de ver.

A direção de Daniel Augusto (Não Pare na Pista: A Melhor História de Paulo Coelho”) faz com que, embora confuso, o filme seja repleto de qualidades técnicas. Seu pior defeito, infelizmente, é o de exceder nas intenções e pecar pelo excesso. Isso porque o diretor e sua equipe de fotógrafos e iluminadores optaram por uma estética eletrizante, complexa e bem elaborada para preencher essa trama absurda. Uma história de amor que começa com a leitura dos rascunhos de um novo romance e acaba com um experimento de neurociência que permite a Simão fotografar seus próprios sonhos realmente demanda uma estetização visual que a equipe cumpre corajosa e criativamente. Poucas vezes se vê em nosso cinema tamanho arrojo estético e mesmo um projeto de composição que brinque com tantos elementos da linguagem visual digital, como os glitch e outros ruídos visuais e sonoros dos objetos técnicos que são usados pelo diretor.

O problema é que essa locomia visual, somada à uma narrativa transloucada insatisfatória, resulta num longa cansativo às audiências que se disponham a enfrentar as quase duas horas de filme. Entende-se que para se carregar visualmente um filme – e Réquiem Para um Sonho” (2000) é um dos melhores exemplos quanto a isso – é necessário construir uma progressão visual e, sobretudo, momentos de relaxamento para as vistas e mentes da plateia. Caso contrário temos os casos dos desenhos japoneses, tipo Pokémon”, que causavam até ataques epiléticos nos pobres espectadores infantis, como parece de fato ter acontecido com uma espectadora do filme. O que se sente com “Albatroz” é literalmente um cansaço na retina, fora o esforço mental de tentar juntar os cacos de uma trama que, à certa altura, já não faz o menor sentido.

Vale ressaltar que a obra parece ser um filme sobre crises emocionais e desorientação mental, tanto do protagonista quanto das mulheres que o rodeiam, especialmente Alicia. Cheio de simbolismos (com números, ratos, pássaros e frases que vez ou outra ressurgem na trama), o romance dramático e o sci-fi se fundem a fim de criar uma trama fantástica, mas que descamba no nonsense. Os atores, muito talentosos, dão conta do que são chamados, mas não conseguem salvar um filme que se perde em si mesmo.

A ousadia narrativa não chega a incomodar, tampouco a estética tentada por esse filme. Na verdade, o nosso cinema pode e deve sair das caxinhas já compostas de enquadramento e storytelling, no Brasil muito baseados nos esquemas da televisão, e tentar alçar outros voos. Infelizmente, mesmo usando o nome de um dos pássaros mais hábeis e potentes que se conhece, “Albatroz” não é um filme que realiza isso com muito sucesso.

Vinícius Volcof
@volcof

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