Cinema com Rapadura

OPINIÃO   quarta-feira, 27 de fevereiro de 2019

Paddleton (Netflix, 2019): a burocracia de viver

Nova produção intimista da Netflix, "Paddleton" fala sobre as imprevisibilidades da vida e como lidar com a morte iminente.

Bromances tem se destacado na maioria das produções cinematográficas, muitas vezes mais do que os próprios romances. O espectador chega até a torcer para que o personagem seja apenas amigo de um possível interesse amoroso, já que a relação parece ser mais saudável do que poderia vir a ser um relacionamento sério. Quando os bromances envolvem doenças terminais, o número de histórias é reduzido, mas todos seguem praticamente a mesma estrutura: uma amizade que surge de forma inesperada, o amigo doente que tem uma lista de desejos e o outro fica encarregado de realizá-los, a autodescoberta e por aí vai. “Paddleton” segue o caminho exatamente inverso, pois permanece com os pés no chão em uma narrativa modesta e crível.

Escrito pelo também diretor Alex Lehmann (“Blue Jay”) em parceria com Mark Duplass (“Creep”), a trama se assemelha a “Antes de Partir” protagonizado por Morgan Freeman e Jack Nicholson, só que bem mais enxuta. Aqui, não há o glamour de grandes realizações antes da partida de Michael (Duplass), que sofre de um câncer terminal e tem pouquíssimo tempo de vida. Ele só necessita da ajuda do vizinho e único amigo Andy (Ray Romano, “Doentes de Amor”) para ajudá-lo a comprar remédios que vão acabar com sua vida antes de todo o sofrimento. Em nenhum momento o filme de Lehmann discute a índole e atitude impulsiva de Mike, tornando toda a trama bem leve e sendo possível se emocionar na mesma medida em que se diverte.

Tudo é tão intimista que em nenhum momento ouvimos seus sobrenomes, e uma câmera na mão torna a história mais pessoal. É como se estivéssemos acompanhando um documentário, com a diferença que a noção de passagem de tempo não é tão eficaz nesta nova produção da Netflix. Se a doença se espalha de maneira rápida, o mesmo não pode se dizer do filme em si, que parece durar mais tempo do que seus 90 minutos. Em pouco mais da metade, percebe-se que mesmo com todo o carisma da dupla de protagonistas não há muitos lugares para onde levar a história. Ela acaba ganhando contornos interessantes ao falar do dilema de Andy que, com seu jeito tímido e fechado, ficará sozinho após a partida de Michael. A relação dos dois é a base que mantém a obra interessante, além da paixão pelo kung fu, que rende uma sequência hilária, descontraindo um assunto tão pesado.

Fica mais claro que Michael e Andy são dois caras normais que vivem suas vidas despretensiosamente sem se arriscar. Ambos tem diálogos mundanos que, a grosso modo, podem até parecer banais, porém são recheados de intimidade. Situações que começam divertidas, passam pelo constrangimento e caem no desconforto, culminando num momento onde o vínculo com os personagens é tão grande que é impossível não sentir nada. Natural e realista, “Paddleton” é uma drama ordinário que reflete sobre a vida e a morte. Deixando de lado a possibilidade de ir mais fundo na vida pregressa de seus personagens, o filme se limita a contar uma história emocional e humana sobre amizade, além do legado daqueles que ficam e daqueles que se vão.

Tiago Soares
@rapadura

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