Cinema com Rapadura

OPINIÃO   quinta-feira, 21 de fevereiro de 2019

Todos Já Sabem (2018): fugindo de preciosismos

Com um trio principal poderoso, "Todos Já Sabem" consegue tornar o público intimo dos personagens, algo fundamental para um filme que depende da empatia daqueles que o assistem.

Quando Ricardo Darín (“Neve Negra”) entra em cena em “Todos Já Sabem”, a situação de estresse está tão bem estabelecida que é preciso um tempo para entender qual é a sua parte na trama. Uma jogada inteligente do diretor iraniano Asghar Farhadi (“O Apartamento”), que contava com um elenco de peso para apresentar uma história que não busca ser inovadora, mas possui um desenvolvimento impecável. Um equilíbrio que há algum tempo o cinema vem explorando, e que, apesar dos riscos, aqui tem um resultado satisfatório.

Sem buscar paisagens exuberantes, o filme nos coloca na pequena cidade de Torrelaguna, na Espanha. Acompanhamos Laura (Penélope Cruz, de “Assassinato no Expresso do Oriente”), que viaja com sua família da Argentina para o casamento de sua irmã. Quando Irene (Carla Campra, de “Verônica: Jogo Sobrenatural”), sua filha mais velha, desaparece, segredos são revelados e paixões são colocadas à prova.

Muito da consistência presente aqui deve-se à direção. Farhadi consegue construir seu filme com a calma necessária para que o público consiga se envolver no ambiente familiar que lhe é apresentado. Pouco a pouco somos apresentados aos diversos personagens e a suas peculiaridades. Essa habilidosa condução da narrativa permite que seja construída uma conexão com cada uma das pessoas que compõem o núcleo familiar. E isso torna-se fundamental para que haja um mínimo de empatia com o drama desenvolvido ao longo do segundo ato.

E é justamente na passagem do primeiro para o segundo ato onde é possível ver como o diretor tem todo o filme na sua mão. A condução, que vem num tom alegre e festivo, sofre uma considerável mudança, porém sem que tire a atenção do que realmente importa. Com uma delicadeza admirável, a fotografia sofre pequenas alterações para que não reste dúvida de que não estamos mais diante da alegria que dominava a primeira parte do longa. E aqui entra uma das figuras mais decisivas nessa mudança de direção de “Todos Já Sabem”: Javier Bardem (“Escobar: A Traição”).

O semblante de Paco (Bardem), antes sempre com um riso de canto na boca, se transforma discretamente, e essa mudança assume papel determinante em todo o desenvolvimento do filme. Mas é sobretudo em como ele irá reagir à presença de Alejandro (Darín) que mais afeta o desenrolar da trama. A desconfiança que Paco possui tem mais relação com o protagonismo que lhe é tirado do que na eventual dúvida que haja sobre o caráter do pai da garota desaparecida. Mas apesar disso, não há qualquer tentativa de construir um conflito entre ambos. Novamente, a habilidosa condução de Farhadi sabe que qualquer tentativa de arriscar para esse lado iria cair na infeliz disputa para se descobrir qual dos dois seria o verdadeiro macho alfa, algo que não avançaria a trama para qualquer lado – e, ao contrário, tiraria o foco do que é realmente importante ali.

E é graças a essa noção de trabalhar apenas o que realmente importa que Penélope Cruz tem espaço de sobra para brilhar. Seu desempenho mostra como a atriz vem conseguindo se manter no topo da carreira há alguns anos. Basta olhar para ela quando se dá conta que sua filha desapareceu para ver como possui controle absoluto de sua atuação. Não por acaso, todos os momentos decisivos partem dela, ou de uma atitude tomada por ela.

Talvez o segredo do sucesso de “Todos Já Sabem” está no fato do filme não tentar, em momento algum, inovar numa fórmula que existe há anos. O crime não assume protagonismo – o que pode incomodar algumas pessoas que esperam uma narrativa policial inovadora -, assim como sua resolução. O drama está na situação criada a partir do desaparecimento de Irene. Os dois principais fatos que partem do crime (os culpados e por que justamente Irene foi sequestrada) têm papéis tão pequenos que o diretor até brinca nas cenas finais, mostrando que alguém vai falar sobre isso, mas tirando a câmera de cena sem que tenhamos as respostas. Um recurso simples, mas que reforça a consciência que Farhadi tem de seu trabalho.

Robinson Samulak Alves
@rsamulakalves

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