Cinema com Rapadura

OPINIÃO   quinta-feira, 28 de fevereiro de 2019

Patti Cake$ (2017): o lado B do RAP

Uma jovem branca, periférica, e acima do peso é aspirante a rapper, na estreia do cineasta Geremy Jasper em longas. Atuação da protagonista Danielle Macdonald e sequências lúdicas são os destaques.

Existe uma cena de RAP distante do mundo de contratos com grandes gravadoras, clipes com milhões de visualizações no Youtube e legiões de seguidores nas redes sociais, que a maior parte do público desconhece e continuará a ignorar a menos que os personagens desse mundo consigam se destacar. E é desse cenário “independente” que surge Patricia Dombrowski (Danielle Macdonald, de “Dumplin’“), a personagem principal de “Patti Cake$“, em busca do seu lugar ao sol no Hip Hop. A atriz faz uma bela performance esbanjando carisma. Uma provável estrela em ascensão, que se destaca em grande parte das cenas em que participa.

Patti vive e respira RAP. O quarto da jovem Dombrowski é cheio de pôsteres dos astros favoritos e ela usa um discman para tocar seus CDs. Quando ela está longe do trabalho como bartender, participa das chamadas “rinhas de MC’s” (disputa de rimas, geralmente a céu aberto, entre rappers), marca presença em shows de pequenos clubes e escreve em diversos cadernos algumas de suas canções. Em seus devaneios acordada, ela, literalmente, adentra o mundo do Hip Hop, representado em tela por uma mudança na fotografia e pelo uso de efeitos visuais, quando uma fumaça colorida aparece, iluminada com diferentes cores, típica dos palcos. Este amor pela música e os sonhos de se tornar uma estrela são compartilhados com o melhor amigo Jheri (Siddharth Dhananjay, da série “The Real Bros of Simi Valley“), funcionário de uma farmácia.

Enquanto a dupla idealiza um futuro de sucesso longe dos subúrbios, a vida real bate a porta. A mãe de Patti é uma alcoólatra que abusa psicologicamente da filha, a avó está doente e as cobranças pelas contas médicas não param de chegar. A personagem-título enfrenta barreiras até mesmo no RAP. Por ser branca e, principalmente, por ser obesa, ela é motivo de chacota para outros personagens que frequentam os mesmos ambientes. Ainda que o pano de fundo seja um drama repleto de dificuldades para a protagonista, o tom do filme é agradável e leve em diversos momentos, trazendo humor para situações improváveis. “Patti Cake$” funciona como uma versão 2.0 do drama “Preciosa”, de 2009, que fez sucesso no Festival de Sundance, mas sem o mesmo peso pelo teor da história ou a mesma força.

O clima vibrante e cheio de vida remete aos “clássicos da Sessão da Tarde”, com um conteúdo que dialoga bastante com um público mais jovem, em busca de se provar e se descobrir a partir do final da adolescência. Esse aspecto é muito bem traduzido pelos diversos RAPs que povoam o filme. Há letras como a da música “PBNJ” que de tão bem arranjadas parecem já existir no mundo real, onde há referências ao músico Santana, Copacabana, Tony Montana de “Scarface”, Tony Soprano da série “Família Soprano” e depilação brasileira. Mérito do compositor Jason Binnick (“Mulligan”), que divide a autoria da trilha com o cineasta Geremy Jasper (“Outlaws”).

Jasper, fazendo aqui sua estreia em longas-metragens, atua também como diretor e roteirista. Ele demonstra o vigor de um realizador mais experiente e cria uma expectativa saudável para um projeto futuro. Com alguns curtas na carreira, Jasper também assinou videoclipes (“Play By Play”, de Autre Ne Veut), o que explica as cenas de sonhos de Patti. Mas o espírito do cinema independente de trazer inovações e novos olhares foi deixado de lado. “Patti Cake$” tem uma estrutura com diversas coincidências de roteiro e clichês, que foram mal aproveitados e fazem boa parte da história se tornar previsível. Uma pena para uma obra que é muito boa, mas poderia ser ainda melhor.

Hiago Leal
@rapadura

Compartilhe