Cinema com Rapadura

OPINIÃO   segunda-feira, 11 de fevereiro de 2019

High Flying Bird (Netflix, 2019): buscando uma revolução na NBA

Filmado com um iPhone 7 Plus, novo longa-metragem de Steven Soderbergh usa de uma negociação entre atletas e cartolas para criticar os bastidores do basquete nos Estados Unidos.

Steven Soderbergh sempre foi um diretor aberto para a inovação no seu método de fazer cinema. Com 26 anos, ganhou a Palma de Ouro de Cannes com “Sexo, Mentiras e Videotape” (1989) e, em 2001, ganhou o Oscar de Melhor Diretor por “Traffic”. Anunciou a sua aposentadoria em 2011, porém retornando no ano seguinte com “Magic Mike“, e voltando a se destacar em 2018 com “Distúrbio”, totalmente rodado com a câmera de um iPhone 7 Plus – tecnologia utilizada por Sean Baker em “Tangerine” (2015), um dos pioneiros na técnica. Aparentemente, o diretor gostou da experiência, voltando a filmar com o celular agora em “High Flying Bird”, um drama esportivo distribuído pela Netflix e que foi filmado em apenas duas semanas.

Em meio a um locaute na NBA, a principal liga de basquete profissional americana, o agente esportivo Ray Burke (André Holland, de “Uma Dobra no Tempo“) e sua ex-assistente Samantha (Zazie Beetz, de ”Deadpool 2“) ficam no meio de uma negociação envolvendo os cartolas, os jogadores e a mídia. Com gastos congelados até um consenso entre as partes, os jogadores ficaram sem receber salários, atrapalhando também a relação entre Burke e a agência que cuida da carreira dos atletas. Um dos seus novos clientes, Erick Scott (Melvin Gregg, da série “American Vandal“), um jovem promissor que acaba de ser contratado para o profissional, se desespera após levar um golpe de um empresário. Resta a Ray tentar defender os atletas e criar um plano para resolver a negociação em 72 horas.

O roteiro de Tarell Alvin McCraney, ganhador do Oscar de Melhor Filme por “Moonlight: Sob a Luz do Luar“, é dinâmico, mas por não ter um clímax acaba se perdendo com o excesso de informações. Seu principal ponto é apresentar como a NBA, que gira bilhões de dólares todos os anos, pode utilizar o basquete para enriquecer outros setores do mercado. “Futebol é bom, mas não vende tênis. Beisebol é tradicional, mas não inspira letras de rap”.

André Holland domina a cena com um personagem que tenta demonstrar possuir o domínio da situação, mesmo quando é apenas um no meio de gigantes. O longa também conta com boas atuações da promissora Beetz e Bill Duke (de “Mandy“), que interpreta Spence, um veterano que treina jovens atletas.

Ao longo da história de “High Flying Bird”, Soderbergh selecionou depoimentos com jogadores profissionais, como Reggie Jackson, Karl-Anthony Towns e Donovan Mitchell, que contam como os jovens são atraídos pela ilusão do primeiro ano no esporte. McCraney usa o desgaste causado pela negociação para destacar como os jogadores não têm controle sobre suas redes sociais e têm suas vidas guiadas por empresários, advogados e agentes. A fotografia tem tons voltados para o azul, que incluem a sofisticação de Manhattan ao mesmo tempo em que demonstra a frieza dos empresários que buscam aumentar suas riquezas enquanto os jovens atletas se preocupam com o seu futuro.

Assim como em “Distúrbio”, de início, é possível perceber alguma coisa diferente nos enquadramentos do diretor, mas nada que atrapalhe a experiência. Soderbergh também edita o filme, permitindo que use toda a sua criatividade para manter as câmeras movimentadas no mesmo ritmo corrido do roteiro de McCraney. O cineasta insiste em destacar que o esporte liderado pelo talento de muitos atletas negros é comandado por brancos, mas ri de si mesmo quando um personagem usa uma metáfora sobre escravidão para dar um propósito ao locaute.

Fluído e acelerado, mesmo sem ter um alto ponto de tensão, “High Flying Bird” busca uma solução de algo que de fato acontece em diversos esportes. Muitos jogadores não sabem a dimensão de pessoas sustentadas pelo seu talento, enquanto do outro lado da moeda, os mesmos agentes se favorecem dos inflacionados números que sustentam o sistema da NBA e não abrem mão dos seus 10% + impostos nas transferências. Independente da revolução, sempre terá alguém ganhando na NBA, seja dentro ou fora das quadras.

Fábio Rossini
@FabioRossinii

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