Cinema com Rapadura

OPINIÃO   segunda-feira, 28 de janeiro de 2019

Uma Nova Chance (2018): autoconfiança às vezes não basta

A simpatia e o encanto de Jennifer Lopez e Vanessa Hudgens buscam sustentar uma comédia improvável com elementos de farsa e uma trama difícil de convencer.

Jennifer Lopez (“Nunca Mais”) é Maya, uma esforçada funcionária de um mercado nova-iorquino que trabalha duro para ser promovida a gerente. Mesmo com ótimos resultados, ideias criativas, experiência e dedicação, seu currículo não basta para receber um cargo de maior remuneração já que ela não possui um diploma universitário. Se a frustração por não conseguir a promoção não bastasse, seu companheiro de longa data Trey (Milo Ventimiglia, “Rocky Balboa”) quer filhos, possibilidade que Maya descarta mesmo que isso abale seu relacionamento. Em “Uma Nova Chance”, Lopez tem a oportunidade de exercitar seu carisma e charme nas telas quando uma confusão faz com que sua personagem receba uma proposta profissional irrecusável, que é tudo que ela precisa para provar seu valor.

Joan (Leah Remini, de série “The King of Queens”) é a melhor amiga e confidente de Maya. Por trabalharem juntas no mercado, Joan sabe de todo o potencial da colega que acaba de completar 40 anos de idade. Ao ver a amargura bater a porta de Maya, Joan tira da cartola uma entrevista de emprego na Franklin & Clarke, uma empresa situada num grande arranha-céu com vista para Manhattan e encabeçada pelo grisalho sorridente Anderson Clarke (Treat Williams, “127 Horas”). Apesar de um leve confronto com uma das VPs e filha de Clarke, Zoe (Vanessa Hudgens, “A Princesa e a Plebeia”), Lopez arrasa na entrevista e consegue uma vaga como consultora executiva. O problema é que tudo não passa de uma farsa que Joan armou. Maya não é a “Maria de la Vargas” do currículo que diz que estudou em Harvard e não é dona do perfil de Facebook “photoshopado” com encontros com o presidente e escalando o monte Kilimanjaro.

Todo esse enredo meio absurdo de comprar é só o início do que o espectador precisa digerir para continuar a acompanhar “Uma Nova Chance”. O longa dirigido por Peter Segal (“Como Se Fosse a Primeira Vez”) propõe a ser uma comédia de situação tipo “peixe fora d’água” em que a falsa Maya precisa convencer uma grande organização de que ela é uma talentosa executiva, semelhante ao desafio de Tom Hanks como um garoto no corpo de um vice-presidente em “Quero Ser Grande”, e de Melanie Griffith como a humilde funcionária sem diploma no lugar da chefe em “Uma Secretária de Futuro“. Por mais que Jennifer tenha o espírito para fazer seu personagem funcionar, o roteiro exige bastante descrença da audiência, especialmente na virada inesperada do segundo ato. A obra que tenta se sustentar em algumas situações de comédia física, montagens para elevar o astral e um elenco encantador, na segunda metade resolve ir para uma outra direção mais absurda ainda contando com todos esses elementos citados para segurar a satisfação do público.

O que se pode compartilhar sem estragar a “nova” trama (não parece ser à toa que o título original do filme traduzido do inglês seja “Segundo Ato”) é que a jornada de provação de Lopez continua. Anderson desafia Zoe e Maya a desenvolver uma linha de cosméticos mais orgânica, seguindo a proposta da nova consultora para impulsionar as vendas, e estimula uma competição interna amigável entre as duas. Apesar de começarem como adversárias, a química entre Vanessa e Jennifer aproxima as duas personagens e o antagonismo passa a existir somente nas suas equipes de coadjuvantes que inclui a desajeitada Ariana (Charlyne Yi, “Artista do Desastre”).

Fãs de Jennifer Lopez farão a inevitável associação entre Maya e a Marisa Ventura de “Encontro de Amor”. Essencialmente, Jennifer reprisa o papel do romance de 2002 ao interpretar outra mulher presa numa farsa para conseguir seus objetivos. A diferença é que aqui não há muito tempo para desenvolver uma relação amorosa e esse aspecto fica em terceiro plano. Outro fator em comum é que ambos os filmes possuem e exploram Nova York como pano de fundo, se apoiando no charme dos pontos turísticos da cidade para as cenas externas. Falando em charme, infelizmente “Uma Nova Chance” não apresenta tanto desse atributo quanto “Encontro de Amor”. O elenco principal se esforça, mas simplesmente não há inspiração no roteiro mais que improvável e onde até a possibilidade de melodrama cai morna por trás do que parece ser um louco episódio de “O Aprendiz” no universo de comédias da “Sessão da Tarde”.

William Sousa
@williamsousa

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