Cinema com Rapadura

OPINIÃO   quarta-feira, 23 de janeiro de 2019

Creed II (2018): você luta por quem?

Ciente de sua posição no universo de Rocky, "Creed II" consegue manter todo o espírito da franquia ao mesmo tempo que traz um novo olhar para o que faz te faz um vencedor.

De todos os méritos que a franquia “Rocky Balboa” possui, um dos mais admiráveis é a forma como os filmes tratam a vitória. A jornada de autoconhecimento sempre foi um pilar central. Não se trata de vencer, mas de não desistir. Rocky (Sylvester Stallone, “Rota de Fuga 2: Hades”) precisava aceitar suas fraquezas para poder melhorar como lutador e como pessoa. Em Creed II”, esse espírito segue sendo fundamental para a jornada, mostrando que a franquia ainda tem conteúdo a oferecer.

A trama segue o formato padrão que todos conhecem, porém com alguns toques de uma bela ironia. Depois de ganhar o cinturão de campeão de peso pesado, Adonis Creed (Michael B. Jordan, “Pantera Negra”) é desafiado por Viktor Drago (Florian Munteanu). O que poderia ser apenas mais uma luta na sua carreira, acaba se tornando uma oportunidade de vingar a memória de seu pai, Apollo Creed, que morreu durante uma luta contra Ivan Drago (Dolph Lundgren, “Aquaman”).

Essa coesão interna pode ser sentida logo no começo do filme. Steven Caple Jr. (“The Land”) opta por abrir mão de uma certa liberdade, sem que para isso precise se limitar. Sua presença está ali, o tempo todo, porém ele reconhece que este filme faz parte de algo maior. Sem soar repetitivo e sem querer reinventar a roda, Caple segue um formato que nunca destoa do que é a essência de Rocky Balboa. A vitória não é exatamente o que mantém o público atento. Ela surge mais como uma recompensa para quem vibrou, torceu e se emocionou com o que viu até então – não ao acaso, as vitórias sempre tiveram menor atenção do que a ação em si, com os filmes clássicos terminando, muitas vezes, com Rocky no meio de uma comemoração. Aqui, esse é o ponto principal. A jornada de Creed é a essência do filme.

Por isso, talvez, a direção parece sofrer com um certo ofuscamento. Certamente ela não é autoral, o que por si não surge como um problema. Porém, considerando a presença de Ryan Coogler (“Pantera Negra”) no filme anterior, esta sequência pode parecer menos inspirada. Mas é reconfortante perceber que a essência da obra se mantém viva e conseguiu ser revitalizada novamente. Se em “Creed: Nascido para Lutar”, a questão da representatividade do negro era um subplot relevante para a história do filme, em “Creed II” o foco está na forma como a masculinidade é retratada. Creed precisa reconhecer a sua fragilidade, para então seguir em frente. E isso acontece com a mesma simplicidade que Coogler conseguiu tratar da questão racial em seu filme, afinal, ainda estamos assistindo um filme de boxe (embora nunca seja, exatamente, sobre boxe).

Viktor Drago também surge aqui como uma atualização necessária para o que fora seu pai em “Rocky IV”. Ele se vê como uma vítima da luta de seu pai, e o peso daquela derrota o atinge profundamente. Muito mais do que um lutador robótico, ele sofre as dores de uma luta que ele nunca teve. Todo o seu arco é construído de maneira a colocá-lo não como um vilão, mas uma vítima do seu passado. Seus exageros são tão compreensíveis e humanos que a conclusão da personagem no filme assume um significado tão forte quanto o de Creed.

“Creed II” consegue manter toda a coerência interna da franquia, ao mesmo tempo que surge como um filme único. A nostalgia assume um efeito importante, porém há mais do que isso. Creed tem um desenvolvimento a mais aqui, com os diferentes acontecimentos pesando cada vez mais em como ele encara as lutas. A fala inicial de Stallone (“Rota de Fuga 2: Hades”) é o fio condutor da trama nesse sentido, reforçando a essência de tudo o que a franquia sempre se mostrou ser. Nocautes e vitórias são meros detalhes diante da jornada.

Robinson Samulak Alves
@rsamulakalves

Compartilhe