Cinema com Rapadura

OPINIÃO   domingo, 27 de janeiro de 2019

How the Beatles Changed the World (2017): o impacto da beatlemania

O documentário passeia pela década de 60 mostrando que o quarteto influenciou uma revolução cultural na sociedade da época com ótimos trechos de entrevistas da própria banda.

“Se você quer estudar os anos 1960, escute a discografia dos Beatles”. Essa frase, dita ao final do documentário “How the Beatles Changed the World”, resume bem o intuito desta obra, que discorre sobre como o famoso quarteto de Liverpool influenciou mudanças na cultura da época. Analisando a criação de John Lennon, Paul McCartney, Ringo Starr e George Harrison, as condições econômicas e sociais da Inglaterra sob os efeitos do fim da Segunda Guerra Mundial e as pessoas com quem a banda interagia, o filme tem êxito em criar a aura de genialidade e inovação do quarteto e as mudanças que eles ajudaram a engendrar.

Com bom uso de imagens da época, intercaladas com declarações de pessoas que, ou conviveram com os Beatles, ou estudaram muito a época, e somando a isso vídeos da própria banda fazendo shows e dando entrevistas, a narrativa flui do início ao fim dos anos 60. O material é ótimo e incomum, tornando a obra, no mínimo, um excelente compilado de momentos marcantes.

O diretor Tom O’Dell mescla esses ingredientes de maneira eficiente para criar uma narrativa limpa e coesa. O que é dito é rapidamente ilustrado com exemplos ou imagens que funcionam metaforicamente. O início da obra é marcado por ilustrar como os Beatles tiveram enorme peso na cultura jovem, que era praticamente inexistente. Pela primeira vez, os adolescentes tiveram voz própria, começaram a buscar uma identidade mais única para si e se rebelaram contra o que era esperado deles.

Aqui existe um acerto e um problema do filme: ele é ótimo em ilustrar as novidades que vieram junto com a banda e o que aparecia de novo nos jovens e na sociedade, mas perde peso ao não mostrar como as coisas eram antes. Há apenas pinceladas muito rápidas e expositivas dizendo que os jovens eram cópias de seus pais, que passavam a vestir roupas parecidas e treinar para ter o mesmo emprego. A mudança trazida pela rebeldia inspirada pelos Beatles é bem ilustrada, mas mal sentida.

Um bom espelho para essa mudança foi analisar o próprio mercado fonográfico da época, que vinha seguindo o início do rock n’ roll, mas que tinha em seus intérpretes de sucesso apenas figuras que cantavam o que era composto para elas, que se vestiam e se portavam de acordo com um estilo pré-determinado pelos produtores. Até na música, os jovens seguiam o que era dito pelos adultos. É outro retrato de como as coisas seguiam um padrão e de que os Beatles, sendo uma das primeiras bandas a escrever seu próprio material que fugia dessas convenções, conquistou e inspirou toda uma geração. Esses momentos são bem aproveitados por O’Dell, que acerta em cheio na montagem quando coloca trechos de depoimentos de quem passou por essas mudanças juntamente com imagens de jovens se soltando, seja por meio da dança ou por procurar roupas diferentes.

“How the Beatles Changed the World” faz um bom trabalho em pintar a história da Inglaterra da época, ilustrando como a classe operária funcionava e o desejo de poder expressar as dificuldades vividas pelo país pós-guerra. Mostrar como Liverpool ainda tinha prédios em destroços e que as crianças cresciam ao redor deles ilustra muito bem o ambiente em volta de quem cresceu por lá, inclusive os membros da banda. Assim, sentimos também o ímpeto que a população local devia ter para procurar mudar de vida.

As mudanças na indústria da música também são exemplificadas mostrando as inspirações dos Beatles para usar o estúdio não só para apenas gravação, mas como um laboratório criativo. O filme explora com sucesso o que os levou a criar álbuns experimentais e conceituais. Entretanto, ele cai numa armadilha ao simplificar demais a ideia e glorificar a banda como a única a trazer inovações para a música, sendo uma época onde outros grandes artistas (Bob Dylan, The Rolling Stones, entre outros) produziram muita coisa, é difícil de acreditar que apenas os rapazes de Liverpool trouxeram algo novo

Quando o filme lida com as mudanças no status quo que os Beatles causaram, ele é melhor balanceado. Ele não ignora que essa transição tenha ocorrido por uma grande variedade artistas e personalidades ao redor do mundo, apenas foca mais no círculo que estava, de alguma forma, envolvido com o quarteto. Ao entender que a banda teve grande função nesse período, mas não foi a única força motriz por trás do movimento, o documentário foge da armadilha do simplismo e se enriquece.

Infelizmente, os últimos 30 minutos do filme perdem o foco e parecem mais ser sobre a história da banda do que os efeitos que ela causou na sociedade. Não é um trecho ruim, mas é um desvio significativo do objetivo do documentário, que perde a força.

Mesmo com simplismo exagerado em alguns quesitos, a falta de peso ao ilustrar a vida dos adolescentes antes dos anos 60 e a perda de foco no final, “How the Beatles Changed the World” é uma obra competente sobre uma banda que fez muito mais do que apenas criar música de boa qualidade. Talvez os Beatles não tenham mudado o mundo sozinhos, mas certamente a cultura pop não seria a mesma de hoje sem eles.

Bruno Passos
@passosnerds

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