Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sábado, 26 de janeiro de 2019

As Aventuras de Brigsby Bear (2017): arte que liberta

Com sensibilidade ao utilizar o humor para contar uma história trágica, "As Aventuras de Brigsby Bear" mostra como o entretenimento pode mudar vidas.

Não é de hoje que o elenco do “Saturday Night Live” se aventura no cinema – entre os principais nomes estão Adam Sandler, Will Ferrel e Tina Fey. “As Aventuras de Brigsby Bear” é mais um destes casos: o protagonista e roteirista é Kyle Mooney (“Zoolander 2”); a direção fica por conta de Dave McCary (seu primeiro longa-metragem após comandar alguns episódios do SNL); e o time de produtores possui Andy Samberg (da série “Brooklyn Nine-Nine”) – destaque também para a dupla Christopher Miller e Phil Lord (de “Uma Aventura LEGO”). Mesmo com tantos nomes direcionados a comédia, o filme foca principalmente no drama e na sensibilidade ao utilizar o humor.

A obra conta a história de James (Mooney), um homem que cresceu isolado do mundo por conta dos seus pais Ted (Mark Hamill, de “Star Wars: Os Últimos Jedi”) e April Mitchum (Jane Adams, de “Twin Peaks: O Retorno”). Logo nos primeiros minutos, a história causa um estranhamento, pois o mesmo é proibido de sair da casa, que mais parece com um bunker. Enquanto James contempla o céu usando uma máscara, pois aprendeu que existem toxinas no ar, a polícia invade o local e prende os pais por cárcere privado. Um policial conta que ele foi sequestrado há 25 anos pelos falsos parentes, logo após o seu nascimento. Porém, a notícia de ter morado em um cativeiro por tanto tempo não o afeta – o que vira o seu mundo de ponta cabeça é saber sobre o fim do seu programa de televisão preferido, “As Aventuras de Brigsby Bear”, que era feito por Ted.

O jovem era a única pessoa do mundo que já tinha visto o show, que foi feito apenas para criar uma obsessão que o mantivesse interessado na vida e para ocupar a sua mente para evitar uma possível fuga. Libertado deste mundo de ilusão, o protagonista é obrigado a aprender a conviver em sociedade ao mesmo tempo que tenta absorver a ideia de que a história do seu herói não teria um final. Mesmo percebendo que Brigsby é mais do que apenas um personagem para James, seus pais biológicos, que nunca desistiram de procurá-lo, propõem novas atividades para tirar o urso da sua cabeça. Conhecendo pessoas e estudando mais sobre o cinema, ele enfim toma a decisão de fazer um longa-metragem apresentando o final das aventuras do personagem.

A construção do personagem e a ótima interpretação de Mooney são essenciais para que o espectador entre na história. Suas piadas pontuais têm base em situações naturais e não forçam a barra. Conhecendo o mundo com James, é fácil se encantar por sua inocência. Entretanto, o roteiro permite facilidades ao protagonista em diversas oportunidades, apenas por causa da sua ingenuidade. A participação de Hamill é pequena, mas é importante para demonstrar que, apesar de tudo que fez, Ted ainda sente um carinho muito grande pelo “filho”. Sua criatividade acaba sendo utilizada nos meios errados.

O desenvolvimento do filme feito por James utiliza muito do improviso para criar os figurinos. Certas situações dão vergonha alheia, mas essa é a proposta de McCary, pois na imaginação do protagonista, sua versão está perfeita. Este improviso lembra bastante o divertidíssimo “Rebobine, Por Favor” (2008), dirigido por Michel Gondry.

Apesar de ter sido criado por um motivo perturbador, o programa serviu para entreter e ensinar o garoto. “As Aventuras de Brigsby Bear” permite a reflexão de que é melhor mergulhar no mundo de uma pessoa e ajudá-la a fechar um ciclo do que forçá-la a se adaptar abruptamente a sua realidade. A aventura criada por seu falso pai foi o que o aprisionou do mundo, mas também é o que o liberta.

Fábio Rossini
@FabioRossinii

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