Cinema com Rapadura

OPINIÃO   quarta-feira, 16 de janeiro de 2019

Vidro (2019): o fim da saga super-heroica de Shyamalan

De maneira apressada, e até desnecessária, o terceiro filme da trilogia de heróis do diretor carece da criatividade e da genialidade de suas obras anteriores.

Qual é o nosso papel no mundo? Porque somos deste jeito? Porque enfrentamos esta ou aquela situação na vida? Estas são perguntas que todos nós um dia já nos fizemos de alguma forma e que o cineasta M. Night Shyamalan busca tentar encontrar repostas em seus filmes e personagens. Seja como um zelador de um condomínio que se mete em um conto de fadas, seja como uma garota cega que enfrenta um monstro para salvar seu amado, ou como um menino que se vê assustado por fantasmas que, por sua vez também buscam estas respostas, praticamente todos estão à procura de seu lugar. Em sua inusitada trilogia de heróis, “Corpo Fechado”, “Fragmentado”, e agora em “Vidro“, o diretor e roteirista traz novamente os questionamentos, mas também mostra uma solução que sempre esteve ao alcance de nossas mãos, e que sempre foi rechaçada com risos e zombaria: sim, nós somos heróis e vilões.

Em “Corpo Fechado”, a história era centrada no segurança de estádio David Dunn (Bruce Willis), que descobre aos poucos seus poderes ao sobreviver a um acidente de trem e torna-se o Vigilante, resultado da busca incessante de Elijah “Sr. Vidro” Price (Samuel L. Jackson) por um arqui-inimigo. Já em “Fragmentado”, foi a vez de testemunharmos a transformação das 23 personalidades de Kevin Wendell Crumb (James McAvoy) no vilão Horda. Aqui em “Vidro”, não existe um personagem ou trama principal. Shyamalan faz um filme que necessariamente preenche lacunas e reexecuta ideias e conceitos que já havia explorado antes.

Na trama, assim como no segundo filme, o multi vilão Horda sequestra três garotas que pretende servir como sacrifício para a Besta, a mais forte e perigosa personalidade de Crumb. Ao mesmo tempo, Dunn continua a sua rotina de salvamentos e decide procurar o sequestrador das meninas. É nesse momento em que ambos são capturados e mandados para o sanatório em que o Price já está internado. Cabe à psiquiatra Dra. Ellie Staple (Sarah Paulson) dar início a um tratamento que os faz questionar seus papéis na história e no mundo.

Apesar da boa sacada do plot, a sensação é a de que o diretor e criador não teve o tempo necessário para desenvolver a história de maneira mais satisfatória. Assim como é visível a falta de dinheiro para cenas mais grandiosas, como às vezes sugere o roteiro. Não que Shyamalan não saiba trabalhar com orçamentos pequenos, longe disso, mas seu argumento passa longe da criatividade já demonstrada anteriormente, e toda a ação acaba sendo demonstrada de maneira desleixada e pobre.

A falta de organização das cenas e uma edição bastante sofrível prejudicam demais o longa. O ato final inteiro, onde todas as peças estão alinhadas e onde deveria ocorrer uma grande e inesquecível sequência, daquelas para serem lembradas para sempre – como a da estação de trem em “Corpo Fechado” e a do nascimento da Besta em “Fragmentado” -, simplesmente não acontece. A situação é tão estranha e anormal que é difícil identificar o que os personagens estão fazendo fora do plano (fica a impressão de que podem até estar tomando um refresco ou algo assim).

No elenco, McAvoy mais uma vez dá um show e, de quebra, interpreta mais algumas personalidades. Pena que seu personagem perca um pouco do charme, já que aqui o diretor resolveu que ele deve sempre se apresentar de alguma forma. E assim algumas frases bem vexatórias como: “Oi, meu nome é ‘X’ e eu sou perito em cinema francês dos anos 1920”. Anya Taylor-Joy volta como Casey Cooke, e apesar de pouco tempo em tela, traz novamente toda a complexidade de sua personagem à tona. Quanto à Willis e Jackson, incrivelmente ambos não parecem muito empolgados em seus papéis, atuando apenas no automático. Agora quem realmente faz diferença em “Vidro” é Sarah Paulson, e não da maneira que se espera. Totalmente robótica, a atriz parece não saber lidar com sua personagem e às vezes é difícil não rir com suas caras e bocas para as situações mais “perigosas”.

Com problemas técnicos – algo que não havia sido visto nem nos piores filmes de Shyamalan -, um roteiro apressado e repleto de furos, explicações desnecessárias (é realmente importante descobrir a linha temporal do personagem do próprio Shyamalan nos filmes!?) e atuações abaixo da média, “Vidro” não cumpre a sua função de terminar de maneira satisfatória uma história tão ricamente construída nestes últimos 20 anos, tampouco ajuda a responder às grandes perguntas dos personagens. Aparentemente o diretor trabalha melhor quando não precisa cumprir maiores exigências, deixando assim a sua criatividade aflorar de maneira mais solta. Para o seu bem, que ele não faça mais continuações de seus filmes.

Rogério Montanare
@rmontanare

Compartilhe