Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sexta-feira, 18 de janeiro de 2019

White Boy Rick (2018): energia incompleta

A história real do informante mais jovem do FBI tem um desenvolvimento irregular que não faz jus à forte conclusão da narrativa.

White Boy Rick” conta a história baseada em fatos do informante mais jovem do FBI, o garoto de quatorze anos Richard Wershe Jr., que viria a se tornar, mais tarde, traficante de drogas. A trajetória é forte e marcada por inúmeros acontecimentos impactantes capazes de despertar a curiosidade e a indignação do público. No geral, a força dramática dos eventos é tão grande que o filme não consegue atingir o que dele poderia se esperar, enfraquecido pela forma como a narrativa foi estruturada.

Eric Jr. (o estreante Richie Merritt) não tinha muita perspectiva de futuro considerando-se o local onde vivia e a família que possuía: morava na cidade de Detroit, assolada pela miséria e pela violência da década de 1980, e convivia com seu pai Richard Sr. (Matthew McConaughey, de “A Torre Negra“), pobre e vendedor legalizado de armas, e sua irmã Dawn (Bel Powley, de “Mary Shelley“), viciada em drogas. Em meio a esse cenário desesperançoso, ele não vê outra possibilidade de ser bem-sucedido que não seja se envolver com o crime. A partir daí, se envolve com criminosos da cidade e com policiais que esperam que ele seja um agente infiltrado.

Um dos primeiros problemas de “White Boy Rick” é seu caráter episódico: a narrativa é dividida em diferentes anos, iniciando-se em 1984 e chegando até 1988. Tal escolha cria blocos para desenvolver o enredo, nem sempre bem interligados e em comunicação entre si. Basicamente, os dois primeiros blocos mostram como o protagonista manteve relações tanto com bandidos quanto com policiais, sofrendo desdobramentos violentos. Em seguida, como sua decisão de se tornar um traficante para ter dinheiro rápido e fácil o levou a um período de auge, mas também a um desfecho trágico que afetou seus familiares.

A estrutura episódica cria dificuldades para a direção de Yann Demange (“71: Esquecido em Belfast“). O cineasta falha na condução do ritmo, não escapando de oscilações que tornam alguns blocos da história mais eficientes que outros. Destaca-se, por exemplo, a forma como os impactos das escolhas dos personagens são trabalhados, como quando Eric se portou como agente duplo e, depois, na época em que traficava grande quantidade de drogas. Porém, deixa a desejar na exposição e construção de informações importantes para a trama, como convencer quanto à confiança depositada em Eric pelos criminosos, e tornar os policiais personagens mais críveis, uma vez que eles apenas funcionam como recursos para mover a trama.

Não se pode dizer, entretanto, que a descrição das mazelas impostas pelo meio não sejam bem feitas. O roteiro transmite a falta de perspectiva concreta para uma cidade onde as autoridades são corruptas ou ineficientes no combate ao crime e a miséria se alastrou de forma preocupante. Em um cenário assim, a intensificação da criminalidade e da violência parece natural – em determinada cena, Eric e Dawn erguem pistolas e atiram em direção a um assaltante que levou o carro deles, como se fosse a atitude certa a se tomar em plena luz do dia cercados por transeuntes. Ainda assim, “White Boy Rick” é tímido em trabalhar a importância dada às armas de fogo na sociedade norte- americana (a cena de abertura em que pai e filho estão em uma feira de venda de armas e um diálogo entre eles, em que o pai diz que o armamento é um direito constitucional não estão muito integrados à narrativa central). A desesperança se reflete e é reforçada pela família do protagonista: a irmã, além de viciada em drogas, se relaciona com um homem que não a ama de verdade; e o pai quer abrir uma videolocadora, mas nunca tem dinheiro suficiente para iniciar o negócio.

Outra razão para as irregularidades da obra são as atuações. Richie Merritt não é um ator ruim, porém ainda não é capaz de segurar um filme, muito devido à sua dificuldade em dar peso dramático à trajetória antagônica vivida por Eric. Quando os personagens secundários estão em tela por mais tempo, há um salto de qualidade garantido pelos atores mais experimentados do elenco. Bel Powley retrata o provável futuro à espera do protagonista se ele não tentar triunfar através do crime, demonstrando a vulnerabilidade e a desolação agressiva de sua situação. Já Matthew McConaughey alterna entre sua condição patética de discursar contra as drogas e vender armamentos em busca de lucro e o carinho genuíno demonstrado para a família.

Apesar de ter uma trama instigante nas mãos e até explorá-la bem ocasionalmente, “White Boy Rick” não alcança todo potencial dramático. As limitações de Richie Merritt e a organização da narrativa deixam a sensação de que o filme sofre altos e baixos que o impedem de atingir a energia dramática necessária – consequentemente, o desfecho construído perde a intensidade que merecia.

Ygor Pires
@YgorPiresM

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