Cinema com Rapadura

OPINIÃO   quinta-feira, 03 de janeiro de 2019

WiFi Ralph: Quebrando a Internet (2018): melhor que o original

Deixando os games de lado e retratando a internet, o longa ganha ainda mais criatividade, mesmo que o alicerce da qualidade continue sendo o carisma dos protagonistas.

“Detona Ralph” é um filme injustiçado. Uma das maiores e mais bonitas homenagens aos videogames, realizada em outra plataforma, a animação raramente povoa a lista de favoritos do público. Ainda sim, o longa fez um sucesso relativo, algo que a Disney Animation não poderia deixar passar e, assim sendo, a continuação “WiFi Ralph: Quebrando a Internet” foi produzida com rapidez. Infelizmente, a sequência chega aos cinemas fazendo ainda menos barulho que o primeiro.

Na trama simples, o jogo “Corrida Doce” sofre uma avaria de hardware (o volante do fliperama quebra) e a espevitada Vanellope, juntamente com o grandalhão Ralph, precisam vasculhar a internet para achar a peça danificada e evitar o desligamento definitivo do game. A graça do plot fica concentrada em duas características básicas: no carisma dos personagens e na criatividade com que a internet é retratada e transformada em algo “físico”.

A própria Disney, em sua subsidiária Pixar, já havia experimentado dar vida  e “paredes” para algo etéreo como a mente em “Divertidamente”. E aqui repete o brilhantismo ao sugerir que sites são prédios de uma megalópole; que buscadores são bibliotecas com um professor espertinho no comando; que pop-ups indesejados são malandros à procura de desesperados incautos; que princesas clássicas sejam estrelas em seus camarins; e por aí vai. Um plus para a construção imaginativa, e que por tratar-se de uma obra da “casa do Mickey” fica ainda mais relevante, é a interessante crítica feita aos comportamentos destrutivos, predatórios e consumistas da rede, tanto dos usuários quanto dos servidores. Usar as páginas de comentários como um dos vilões do filme é algo a se aplaudir de pé.

O carisma fica por conta da delicadeza, complexidade e carinho com que todos os personagens são retratados, juntamente com a volta da dublagem (a imprensa teve acesso apenas à versão dublada em português do filme) sensacional da dupla protagonista Tiago Abravanel e MariMoon. Ambos parecem tão a vontade em seus papéis que é até difícil imaginar o longa sem a voz deles. Com destaque para Mari, que repete a dificílima projeção de voz absolutamente diferente do seu tom normal, criando uma persona fofinha e irresistível para sua Vanellope. Pena que o mesmo não aconteça com a atriz Giovanna Lancellotti (“Tudo Acaba em Festa”), que aparentemente não tem experiência com técnicas de dublagem e parece sempre estar lendo as falas de sua personagem Shank, originalmente interpretada por Gal Gadot (“Mulher-Maravilha”).

Outro problema é a já constante sensação de déjà vu que as animações modernas têm apresentado em seus terceiros atos, com correrias desenfreadas, normalmente causadas por motivos desinteressantes e viradas rocambolescas. Aqui, a parte final do filme é totalmente focada na resolução de um problema que só é criado a partir da segunda metade da animação. A impressão é a de que o filme já acabou, até com muita qualidade, mas que ainda estamos olhando para algo que se movimenta freneticamente e que não acrescenta nada mais para a história. Isso fica ainda mais evidente porque o assunto tratado ali já havia sido tema para a resolução do primeiro filme.

“WiFi Ralph: Quebrando a Internet” é um longa inventivo, bonito, divertido e melhor do que o primeiro. Fosse ele mais curto ou mais inteligente em seu epílogo, seria uma das melhores animações desde a já citada “Divertidamente”. Deixando um pouco os games de lado – o que não deixa de ser uma pena -, o filme abraça a humanidade em suas qualidades e defeitos, dando espaço para uma reflexão de quem nós somos quando estamos “escondidos” dentro da rede.

Rogério Montanare
@rmontanare

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