Cinema com Rapadura

OPINIÃO   terça-feira, 08 de janeiro de 2019

It Will Be Chaos (HBO, 2018): precisamos falar sobre imigração

Documentário da HBO mostra o drama de refugiados tentando entrar na Europa em busca de uma vida melhor, debatendo as consequências sociais para os países que os recebem.

É difícil pensar no atual momento de fortalecimento da TV paga e suas produções de qualidade, principalmente em roteiro e construção de personagens, sem associar com a HBO. Tentando se destacar em outras produções fora dos seriados, o canal/estúdio também investe em documentários, buscando manter a qualidade que é sua marca registrada. “It Wil Be Chaos” (“Será o Caos”, em tradução livre) mantém o histórico do canal, debatendo um assunto atual, tanto no contexto político quanto no econômico.

O documentário dirigido pelo casal Lorena Luciano e Filippo Piscopo sintetiza nas histórias de Aregai, um refugiado da Eritréia (país africano com uma das piores condições de vida do mundo), e dos Orfahli, família síria de classe média que foge do seu país com medo da guerra civil. Vemos também os percalços e sonhos de milhares de refugiados no caminho para adentrar na União Europeia, em busca de melhor qualidade de vida. O grande diferencial de “It Wil Be Chaos” quanto à trama é contar suas histórias sem impor uma voz narradora. A câmera e o relato dos entrevistados são suficientes, falam por si.

As várias histórias, não só dos refugiados, mas também de moradores, comerciantes e autoridades públicas, revelam os impactos trazidos pelos imigrantes para as comunidades, mostrando que o documentário não defende apenas um lado, mas exibe também outros pontos de vista, sem esquecer nunca de mostrar as condições de vida dos refugiados.

Em sua cena inicial, a produção da HBO apresenta diversos caixões no porto da Ilha de Lampedusa, no litoral italiano, após um barco africano virar no caminho para a Europa, matando mais de 300 pessoas. Os sobreviventes, entre eles Aregai (que perdeu dois primos), lutam para conseguir se estabelecer na Europa, precisando para isso, vencer diversas instâncias burocráticas. A produção mostra o despreparo das autoridades públicas quando os imigrantes começam a chegar num fluxo contínuo, sendo necessário se mobilizar para oferecer serviços mínimos aos refugiados. As cenas registradas em 2013 revelam o início do caos advindo sobre a Europa nos anos seguintes. Mérito da produção ao abordar a surpresa dos políticos com a chegada dos imigrantes e a reação contrária da parte da população italiana, uma faísca do nascimento de movimentos de extrema direita no continente europeu.

Pulando para 2015, a narrativa resume a situação de mais de cinco milhões de sírios em busca de melhores condições de vida na Europa na história da família Orfahli – já na Turquia no início do documentário -, procurando uma rota segura para a Alemanha. Wael, líder do clã, gasta todo seu dinheiro para levar sua família a Europa, precisando para isso fazer travessias em barcos lotados (em péssima condições de segurança e em mar revolto); andar em trens que cruzam vários países sobre o olhar de forças policiais nada amistosas; caminhar dezenas de quilômetros a pé no meio da noite e do frio para cruzar fronteiras, e mesmo assim não ser bem recebido pela população local, em alguns países.

A montagem é um elemento importante na construção das histórias do documentário. Isso acontece porque Lorena Luciano e Filippo Piscopo acompanham toda a trajetória da família Orfahli, conseguindo assim construir momentos de tensão, como quando os filhos de Wael se perdem ao chegar na Itália, ou quando existe risco do barco deles naufragar. Nestes momentos, a narrativa se volta para o caso de Aregai na Itália, também enfrentando problemas para conseguir se reconhecido na condição de refugiado. A tensão se torna presente e deixa a história mais interessante.

Entre todos os dramas e relatos mostrados em “It Wil Be Chaos”, a principal pergunta, ainda sem resposta por parte de lideranças políticas, é: qual a solução para os problemas apresentados? Deve-se resolver os problemas nos países mais pobres para evitar a chegada de refugiados nos mais desenvolvidos, ou criar políticas e programas para receber bem essas pessoas na Europa? Esse debate vem se mostrando a base da política e da economia atual. A eleição de Donald Trump nos Estados Unidos, o Brexit na Inglaterra, a eleição de movimentos de extrema direita na Europa – principalmente na Itália e na Hungria -, todos estão relacionados diretamente com a imigração. O documentário tem o mérito de levantar e sintetizar esse debate em apenas uma hora e meia, mostrando o poder que o gênero possui.

Filipe Scotti
@filipescotti

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