Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sábado, 22 de dezembro de 2018

Superman – O Filme (1978): a luz para mostrar o caminho [CLÁSSICO]

Com uma escalação de protagonista perfeita, trilha sonora memorável e respeito ao material original, o longa supera a problemática produção para se tornar uma das obras mais marcantes e longevas do cinema.

O cinema sempre foi fonte de fantasias. Das mais sombrias às mais ingênuas, a sétima arte nunca deixou de nos fazer sonhar e idealizar um mundo diferente, com figuras edificantes e feitos incríveis. Essas viagens a outros planos da imaginação são até hoje responsáveis por inspirar infinitos seres humanos a vencerem desafios e procurarem se superar. Em 1978, “Superman – O Filme” fez muito mais do que nos levar a acreditar que um homem podia voar.

Não foi uma produção simples. O projeto inicial era filmar dois longas em sequência para depois lançar ambos nas telas de cinema. Contudo, o mal gerenciamento que resultou em brigas homéricas entre diretor (Richard Donner, da cinessérie “Máquina Mortífera“) e produtores não só tornaram as filmagens mais complicadas do que já eram, como também fez o orçamento se esgotar antes do segundo filme ter todas as cenas completadas. A solução foi, então, terminar o primeiro e lançá-lo para gerar lucro e terminar a sequência com esse dinheiro. Deu certo. Entretanto, o clima ficou tão ruim que o diretor acabou sendo demitido e o outro foi contratado para terminar o longa seguinte (mas isso já é história para outro texto).

Nota-se esse planejamento de filmar dois longas em sequência logo no início, onde General Zod (Terence Stamp, de “O Lar das Crianças Peculiares”) e seus asseclas são apresentados para depois sumirem do filme, retornando apenas em “Superman 2 – A Aventura Continua”. O final do primeiro foi concebido para ser usado no segundo, que precisou ser reescrito, e toda essa confusão só aumentou a surpresa das duas obras terem saído com boa qualidade.

Para o papel título, foi escolhido Christopher Reeve, tão desconhecido na época que os créditos, trailers e outros materiais promocionais tinham o nome de Marlon Brando (“O Poderoso Chefão”) e Gene Hackman (“Os Excêntricos Tenenbaums”) na frente. É praticamente unânime que a escolha de Reeve foi acertada, pois sua interpretação como o confiante e sereno Kal-El é tão boa como seu atrapalhado e inseguro Clark Kent, ambos um ótimo espelho do arquétipo do personagem. O trabalho do ator aqui é um magnífico exemplo de boa linguagem corporal, e o disfarce é muito mais do que apenas colocar os óculos. Seu modo de falar, postura, tudo sobre ele muda, e isso pode ser notado na famosa cena após a entrevista de Lois em que ele entra em cena como Clark, mas muda para Kal ao tentar contar a verdade para a amada. O trabalho de Reeve foi tão marcante que seu rosto ligado ao uniforme do kryptoniano é até hoje reverenciado como um símbolo da cultura pop, um que vai muito além de puro escapismo e diversão.

Tal imagem, aliás, só aparece depois de 48 minutos de filme. O roteiro deu tempo para suas origens serem explicadas e o personagem, desenvolvido; passando pelos últimos momentos de seu planeta natal até a influência de seus pais na sua criação durante sua adolescência. O cuidado de desenvolver o protagonista com calma resultou num personagem sólido, esbanjando carisma e, conforme seria visto durante o resto da projeção, um farol de esperança.

Essa aura de que tudo vai ficar bem é magistralmente espelhada na trilha sonora de John Williams (“Star Wars: Os Últimos Jedi“). Do tema principal à cena de voo entre Superman e Lois Lane (a cativante Margot Kidder, de “Maverick”), a música do compositor esbanja fascínio e maravilha, e instantaneamente ascendeu a uma das melhores da história do cinema.

Todo o clima de “Superman – O Filme” é, de fato, inocente. Não é à toa, é um espelho de como os quadrinhos eram naquela época. A sinceridade e a simplicidade do Superman foram bem transpostos da nona para a sétima arte. Esse clima era refletido também no Lex Luthor de Gene Hackman, à vontade e se divertindo bastante no papel. Seus planos mirabolantes de especulação imobiliária podem até ser risíveis para os olhos dos espectadores do século XXI, mas sua convicção de que a mente triunfa sobre a força bruta era uma boa interpretação do que gerou inúmeras contendas entre Luthor e Kal-El. Uma curiosidade é que o ator se recusou a raspar a cabeça para o papel, a solução foi mostrá-lo com penteados diferentes em momentos distintos para ilustrar o uso de perucas. Há apenas uma cena em que Hackman aparece “careca”, com uma toca cor de pele para criar o efeito.

Donner teve grande preocupação com verossimilhança, pois queria evitar fazer uma paródia do personagem e gerar uma obra que o representasse com honra. Dito isso, o roteiro em si tem suas pequenas falhas neste ponto, como a conclusão de Luthor que kryptonita é nociva ao homem de aço vir de uma explicação forçada e repentina. Porém não incomoda tanto ao perceber a atmosfera ingênua que permeia a obra. Se rende vilões bufões, também gera momentos especiais com diálogos sinceros, a maioria envolvendo o protagonista.

O filme possui muitos efeitos práticos como maquetes sendo destruídas e inundadas, o que realmente não passa despercebido ao olhar do espectador moderno, mas funcionam bem para a narrativa. O visual de Krypton também é algo a se destacar aqui, tudo muito claro e branco, com uma tecnologia baseada em cristais. É interessante ver suas roupas brancas extremamente brilhantes, que foram feitas com o mesmo material encontrado em letras de placas de trânsito, altamente reflexíveis. Toda a concepção de Krypton o torna, de fato, alienígena.

Claro, em se tratando do primeiro filme do Homem de Aço, era de suma importância que os efeitos de voo fossem críveis. Foram feitos inúmeros testes e tentativas, até que um sistema elaborado por Zoran Perisic, com lentes de zoom especialmente desenvolvidas para o projeto, ajudou a criar uma das várias técnicas para originar a ilusão de voo. Outras diferentes estruturas foram utilizadas, com atores pendurados por cabos e uso cuidadoso de iluminação e posicionamento de câmera para esconder o equipamento. Ao final, o investimento deu certo e maravilhou milhões de pessoas mundo afora.

Nada disso seria bem aproveitado se a direção de Richard Donner não fosse precisa. O diretor procurou variar as tomadas de voo entre planos abertos e fechados. Há momentos em que ele coloca a visão do chão, como nós, meros mortais, veríamos o Superman. Ele também coloca a câmera nas costas do kryptoniano em voo frenético de alta velocidade. A imersão e o deslumbramento ao ver um homem voar são precisos e engrandecem o protagonista. Donner também trabalhou com ótima montagem para criar tensão nos momentos certos, vide o close no rosto de Kal-El quando ele descobre o carro de Lois engolido pela terra, e como as tomadas se intercalam. O público fica tão estarrecido quanto o herói.

Se hoje filmes de super-heróis acontece aos montes, é porque a porta foi aberta com este primeiro grande investimento. O respeito ao material original é inegável e teve seu maior êxito em levar para as telas o que é mais importante no Homem de Aço: esperança. Aquela sensação de que, se ele está por perto, tudo vai ficar bem. Não é qualquer personagem que consegue transmitir esse tipo de magia. “Superman – O Filme” será, para sempre, um marco na história da sétima arte. Por causa de Donner, Reeve e tantos outros, o cinema ousa sonhar para o alto, e avante.

Bruno Passos
@passosnerds

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