Cinema com Rapadura

OPINIÃO   quarta-feira, 19 de dezembro de 2018

A Justiceira (2018): vingança sem profundidade

Filme acerta ao mostrar problemas sociais de Los Angeles, mas erra ao desenvolver histórias de maneira superficial, sem abordar motivações dos seus protagonistas.

A corrupção, não importa o país, está presente no dia a dia de todos que vivem em uma sociedade complexa, e é quase uma necessidade de vida, como a obrigação de respirar. Todas as brechas que qualquer sociedade traz, sejam as mais justas ou as mais desiguais, são aproveitadas pelas pessoas mais “inteligentes”. O privilegiado por essa prática acaba prejudicando alguém, geralmente o lado mais fraco, aquele que não tem condições de lutar e acaba assim sofrendo reveses ao longo da vida. Essa narrativa pode bem ser encaixada na realidade do nosso país, onde ter um transporte coletivo de qualidade é algo difícil, dado os acordos firmados entre empresários e lideranças políticas, por exemplo, ou todos os escândalos envolvendo o alto escalão político brasileiro. Esses casos são apenas algumas evidências desse crime presente na nossa vida. Apesar de ser situado na realidade americana, “A Justiceira” também fala sobre corrupção, só que para isso usa um cenário mais trágico e sanguinolento.

O filme conta a história de vingança de Riley North, interpretada por Jennifer Garner (“Com Amor, Simon”), sobrevivente de um ataque de traficantes durante a comemoração do aniversário da sua filha, que acaba assassinada junto com o pai, aparentemente envolvido em um esquema voltado ao roubo dos criminosos responsáveis pelo ataque. De início, após ficar internada alguns meses no hospital, Riley se sente atordoada, mas aos poucos começa a entender os mecanismos por trás do sistema policial, jurídico e econômico, feitos para beneficiar o poder que exibe mais dinheiro, e assim, deixar livres os responsáveis pelo ataque a sua família. Esta situação é inaceitável para ela, fazendo Riley, de luto, agir por conta própria em busca de justiça. E é já neste momento que o longa perde o rumo.

Apesar de contar a história de maneira dinâmica, começando já com Riley assumindo o papel de assassina impiedosa (com direito a muito sangue e tiros na cabeça), a produção dirigida pelo francês Pierre Morel (“O Franco-Atirador”), não consegue convencer nas explicações e motivos para a súbita transformação de uma simples dona de casa em uma assassina especialista no uso de armas sofisticadas e com a capacidade de roubar bancos e matar sem dó. As justificativas são dadas de maneira rápida, o que economiza tempo do filme, mas acaba o prejudicando por não aprofundar a história de seus personagens, principalmente da sua protagonista. Talvez a falha maior esteja na atuação fria de Jennifer Garner, ao não transmitir o sentimento de tristeza e desolação de ter a família morta sem que nada seja feito para prender seus algozes. Faltou mostrar de maneira mais contundente a situação de desespero da mãe desconsolada, sem chão.

Poucos personagens se destacam em “A Justiceira”. Entre os que ganham mais tempo na tela, o mais interessante é o detetive Stan Carmichael (John Gallagher Jr., o ótimo Jim Harper da série “The Newsroom”). Inicialmente escalado para o caso de Riley, ele tem sua trajetória na polícia de Los Angeles marcada por altos e baixos, o levando para caminhos surpreendentes durante o filme. Outro que se destaca, talvez o mais contraditório deles, seja o do traficante Diego Garcia, vivido por Juan Pablo Raba (“7 Dias em Entebbe”), responsável pela ordem de matar a família de Riley, ele poderia ter suas motivações melhor exploradas. No longa, Garcia é simplesmente um homem do crime porque é mal. Quais são suas motivações? Falta algo no personagem. Temos uma fagulha da sua vida quando vemos sua filha de idade semelhante à filha assassinada da protagonista. Além disso, os confrontos entre Riley e Garcia poderiam ser mais atrativos se a história do traficante fosse melhor desenvolvida.

Tentando ser atual, o filme mostra o poder das mídias sociais como ferramenta de comunicação, mas faz isso de maneira rasa, mostrando apenas uma cena realmente importante envolvendo smartphones e algoritmos. Último ponto a destacar da produção é seu contexto social, ao apresentar uma Los Angeles mais real, sem mansões e limusines, mas com moradores de rua, sujeira, pessoas carentes e muita violência. A impressão que temos é que a trajetória de Riley serviu para nos mostrar essa realidade não tão bonita assim.

“A Justiceira” retrata mais uma história banal, daquelas exibidas em qualquer programa policialesco da TV, logo esquecido no dia seguinte, quando um novo caso surge e chama nossa atenção novamente. A roda da Riley justiceira, mulher, sanguinária e violenta gira, e no dia seguinte esquecemos de mais essa história, como acontece quando um filme não consegue captar nossa atenção.

Filipe Scotti
@filipescotti

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