Cinema com Rapadura

OPINIÃO   segunda-feira, 17 de dezembro de 2018

Império de Memes (2018): o preço e o impacto da fama

O documentário sobre distintas personalidades da internet estuda seus passos e analisa as impressões deixadas tanto na sociedade da era digital quanto em suas próprias vidas.

A era dos influenciadores digitais teve um início, um meio e, possivelmente, terá um fim. Pelo menos é o que o documentário “Império de Memes” mostra ao acompanhar a carreira de alguns dos mais conhecidos líderes das mídias sociais como Paris Hilton, Brittany Furlan, Josh “The Fat Jewish” Ostrovsky, Kirill “Slut Whisperer” Bichutsky e DJ Khaled. Mesmo para quem não os conhece (ou os abomina), a jornada desses singulares personagens em torno das redes fascina ao traçar um elo entre suas vidas pessoais e seu legado na internet, num momento da história em que qualquer um pode se tornar famoso instantaneamente. Ao final da busca solitária e incessante por atenção, o filme lança a questão: quando não tiverem mais seguidores, poderão eles retornar ao que eram antes?

A socialite Paris Hilton (“A Casa de Cera”) tem milhões de seguidores no Instagram e é santificada pelos fãs, nos quais ela confia sua companhia virtual e suas diversas linhas de produtos. Já a atriz Brittany Furlan (“Música, Amigos e Festa”) alcançou a lista da Time Magazine como uma das maiores influenciadoras da internet na época em que transferia toda sua energia criativa para produzir vídeos curtos de comédia na plataforma Vine. As duas surfaram o início da onda das personalidades digitais, abrindo espaço para figuras ainda mais polêmicas como “o gordo judeu” Josh Ostrovsky (“Nerve: Um Jogo Sem Regras”), o profano plagiador humorista que criou para si um marca de vinhos; o DJ Khaled, líder no Snapchat expondo sua vida quase ao vivo e explorando a imagem do filho de 4 anos como “produtor executivo” de seus álbuns; e o “encantador de vadias” Kirill Bichutsky, que criou um alter ego animador de festas regando litros de álcool sobre corpos seminus de mulheres bêbadas e expostas para fotos em seu perfil. Intercalando imagens sobre o conteúdo que eles produzem e o reflexo deles na sociedade contemporânea com entrevistas íntimas e depoimentos desses e outros “artistas”, “Império de Memes” monta um retrato inesperadamente humano revelando suas fragilidades como indivíduos.

Muito além da excentricidade e da bizarrice, o filme constrói a origem dos seus personagens, explicando de onde vieram, a relação com os pais e quais as motivações que os direcionaram. Ao contrário do que espera o desdém popular à superficialidade desses nomes, o documentário os apresenta como pessoas visionárias e bem-sucedidas que souberam explorar as oportunidades que enxergaram mesmo sem entender exatamente os rumos do mundo virtual. Frente a adversidades e ainda contra expectativas, influencers como Hilton e Fat Jew conseguiram se reinventar e estabelecer modelos pioneiros de comportamento para se manter no sucesso da fama e deixar legados. No entanto, o preço da solidão e da desconstrução da identidade pode sair caro para outros como Kirill e Brittany, que não se reconhecem mais no meio dos seguidores que ainda restam e beiram as consequências da depressão.

É impressionante como o documentário consegue construir arcos cativantes para seus personagens mesmo por trás da montagem tão frenética quanto a vida que eles projetam. O filme praticamente não respira costurando planos quase sempre curtos, como o formato preferido do conteúdo efêmero consumido na rede, e estende assim a percepção do tempo. Os raros momentos de calma, porém, são os que trazem a introspecção dos famosos e revelam suas intimidades através de cenas com os pais e confissões que só podem ser ditas por quem já está mais que acostumado com câmeras ao redor. Além disso, é especialmente interessante como Josh joga com argumentos a favor dos plágios que faz, sem que o filme conclua se ele só quer sair brilhantemente ileso das acusações ou se realmente está à frente do seu tempo em relação a como lidar com propriedade intelectual. E também como a personalidade de Kirill se distancia do seu alter ego à medida que se dá conta do poder destrutivo da sua criação e reflete sobre seu futuro.

Buscando entender a relação dos personagens com a fama e a verdade sobre o reflexo disso em suas vidas, “Império de Memes” confirma que a reputação que vem com o número de seguidores também acompanha exílio, dores e muitas questões existenciais e de autoestima. Definitivamente, ser famoso não é para fracos, não é para sempre e nunca é o bastante.

William Sousa
@williamsousa

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