Cinema com Rapadura

OPINIÃO   segunda-feira, 17 de dezembro de 2018

22 Milhas (2018): indo de mal a pior

A primeira sequência é interessante, porém não consegue esconder por muito tempo o que é a obra: um rascunho mal feito de um filme de ação repleto de problemas de roteiro, direção, montagem e atuação.

A parceria entre o diretor Peter Berg (“O Dia do Atentado“) e Mark Wahlberg (“De Repente uma Família“) rendeu filmes com propostas temáticas e estilísticas muito bem definidas. “O Grande Herói“, “Horizonte Profundo” e “O Dia do Atentado” se interessam por histórias reais e marcantes dos EUA, sob a perspectiva do homem comum que vê seu cotidiano ser abalado por algo imprevisível. “22 Milhas“tenta continuar nessa mesma direção, mas falha consideravelmente na construção de uma história coerente e de uma narrativa minimamente organizada.

A trama se inicia acompanhando a operação de uma unidade tática ultrassecreta que precisa invadir uma casa e capturar seus ocupantes. Essa primeira sequência é um dos poucos acertos do longa, conseguindo mostrar como a violência mais brutal pode irromper em um momento banal: um casal, aparentemente, está perdido procurando um endereço, e quando a câmera é movida sutilmente para os fundos da residência, vários agentes são enquadrados se preparando para invadir o local. Além disso, toda a ação ocorrida no interior da construção é filmada calmamente, a partir de movimentos de câmera e enquadramentos que reforçam a brutalidade do tiroteio e o perigo constante em cada cômodo.

Após a sequência inicial, o filme se concentra na principal missão do grupo de elite: escoltar para fora do país um misterioso policial que sabe a localização de uma substância altamente perigosa, cobiçada por russos e orientais. A partir daí, montagem e roteiro não se entendem para estruturar a narrativa, já que ambos são truncados por tentativas desnecessárias de complicar uma história menos complexa do que aparenta. A trama, caracterizada por conflitos internacionais, operações de agências secretas e traições, é também contada de uma forma desesperada e apressada, seguindo um ritmo excessivamente acelerado de acontecimentos desconexos sem ligação compreensível entre si.

A incompreensão do enredo também se deve à dificuldade da montagem de integrar linhas temporais diferentes e muitos arcos de personagens. A narrativa não se desenvolve plenamente por conta da falta de um foco que oriente o percurso da história, algo que afeta os temas e os fatos dentro do filme. As questões sobre a naturalização da violência e a glorificação do militarismo na sociedade norte-americana são atiradas de qualquer forma pelo roteiro. Igualmente problemáticos são os aspectos próprios da trama – por exemplo, compreender o papel e as funções da agência, a importância da proteção da substância cobiçada e o envolvimento de tantos agentes diferentes no conflito central.

Um universo mal apresentado e desenvolvido abriga outro grande problema: personagens mal construídos e desinteressantes para o público, sendo que alguns sequer são nomeados ou têm tempo de tela razoável. Dentro do elenco principal, o único destaque fica por conta de Iko Uwais (“Operação Invasão“) , que dá ao policial Li Noor um ar enigmático e uma postura atlética fundamental para a exigência física das lutas. Já os atores mais famosos não entregam um trabalho consistente: Mark Wahlberg é o agente James Silva, temperamental e confrontador, vivido em um overacting de gritos e mais gritos; Lauren Cohan (da série “The Walking Dead“) é a viciada em trabalho agente Alice, que é colocada em arco inexpressivo e desnecessário com a filha; e John Malkovich (“RED 2“) é o agente Bishop, desprovido de qualquer personalidade, apenas encarnando um chefe operacional disposto a tudo.

Nem a possibilidade de tentar defender o filme por suas sequências de ação se sustenta. Peter Berg abusa dos cortes rápidos e da movimentação abrupta da câmera de tal forma que a compreensão da geografia da cena é comprometida – não é possível situar a relação dos personagens entre si nem as consequências de suas atitudes e ataques. Essa estética digna de Michael Bay (“Transformers: O Último Cavaleiro”) sabota a inventividade e o impacto físico das coreografias pensadas para cada luta; a câmera acaba por esconder e menosprezar os movimentos coreografados dos confrontos.

A rapidez excessiva se faz presente, então, no ritmo apressado da filmagem dos diálogos e dos momentos calmos sem ação. Planos de brevíssima duração e cortes abruptos em sequência aceleram tanto a narrativa que o tempo passa e poucas informações concretas são construídas e transmitidas. Em termos narrativos e estilísticos, não há sentido dramático em tornar situações informativas para o público e interações entre os personagens tão aceleradas, como se houvesse pressa para acabar o filme. É um ritmo frenético que afasta o espectador e possui um tom superficial.

“22 Milhas” tem pouco mais de 1h30 de duração e já se pode perceber contradições significativas. É um tempo escasso para desenvolver uma narrativa coerente, capaz de oferecer uma trama que faça sentido e personagens minimamente trabalhados com eficiência. Mas também é tempo mais que suficiente para uma sucessão de equívocos na direção, nas atuações, na montagem… A dobradinha formada por Peter Berg e Mark Walhberg não faz jus nem de perto às qualidades já vistas em seus projetos anteriores. Trata-se de um filme tão problemático que parece notar o que é e se esforça para terminar o quanto antes.

Ygor Pires
@YgorPiresM

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