Cinema com Rapadura

OPINIÃO   quinta-feira, 27 de dezembro de 2018

Blade, O Caçador de Vampiros (1998): nem só de sangue vive o vampiro [CLÁSSICO]

Ainda que os 20 anos empalideça os efeitos especiais, é justo afirmar que Blade teve papel fundamental nas adaptações da Marvel para o cinema.

Atualmente, sob a tutela da Disney, a Marvel Studios lança três filmes de sucesso por ano. Contudo, na década de 1990, o panorama era diferente. Para fugir da falência, a Marvel Comics começou a vender os direitos dos seus heróis para o cinema, e a New Line não perdeu tempo e adquiriu os direitos de Blade, produzindo Blade, O Caçador de Vampiros. Com um orçamento modesto e um diretor inexperiente (Stephen Norrington, de “A Liga Extraordinária”), o longa foi produzido acreditando na popularidade de Wesley Snipes (“Os Mercenários 3”). Mesmo com a classificação etária alta, a obra foi bem recebida nas bilheterias e abriu as portas para os heróis da Casa das Ideias. Embora seja um longa de ação/terror genérico, o protagonista com poucas palavras e muita arte marcial conseguiu dar personalidade a um personagem B dos quadrinhos e revitalizar os vampiros no cinema.

Na trama, além de mentor de Blade, o velho Whistler (Kris Kristofferson, de “O Retorno de Bloodworth”) também serve de guia para o espectador e são dele as melhores falas: “eu o encontrei quando ele tinha treze anos, estava vivendo nas ruas, comendo sobras dos mendigos. Sua necessidade de sangue só apareceu na puberdade, primeiro achei que fosse um vampiro, quase o matei também. Então eu percebi o que ele era, a mãe de Blade foi mordida por um vampiro enquanto estava grávida. Ela morreu, mas ele não. Infelizmente, ele sofreu algumas mudanças genéticas, ele pode suportar o alho, prata, e até a luz do sol. E possui a força deles. A esta hora amanhã as feridas estarão curadas, mas ele envelhece como um humano. Os vampiros envelhecem mais devagar que nós. Infelizmente, ele também herdou a sede deles”.

Blade tem no seu sangue o melhor dos dois mundos. Como um guerreiro imortal, ele passou a combater os vampiros para vingar a morte de sua mãe (Sanaa Lathan, de “Felicidade Por Um Fio”). As coisas se complicam para a dupla de caçadores quando entra em cena Deacon Frost (Stephen Dorff, de “Imortais”), um vampiro destemido que busca mais que a imortalidade, ele quer o sangue de Blade para também caminhar sob a luz do dia.

O personagem carrega o arquétipo do anti-herói solitário, renegando sua raça para lutar contra aqueles que lhe tiraram a família. A motivação de Blade funciona superficialmente por motivos de vingança, se comportando como um soldado treinado para localizar e executar. É Whistler quem opera as missões e move a narrativa, com a trama girando em torno dele tentando salvar a vida da Dra. Karen Jenson (N’Bushe Wright, de “A Talent for Trouble”), mordida por um vampiro e a resgatada antes da transformação. A primeira metade do filme é cativante. O mistério em torno do protagonista prende atenção e a sequência de luta inicial na boate de vampiros apresenta muito bem o personagem dando o tom da obra juntamente com trilha eletrônica marcante. O uniforme inspirado nos quadrinhos e a arquitetura futurista usaram bem o orçamento, e a iluminação de filme noir dá um charme especial. Contudo, o excesso de time-lapse deixa muitas transições com cara de novela.

A trama derrapa do meio em diante, quando o antagonista ganha mais espaço com a atuação péssima de Stephen Dorff. O roteiro de David S. Goyer se sustenta ainda menos com a insistência em amarrar a Dra. Karen no clímax – vale ressaltar que Goyer é o responsável pelos roteiros de muitas adaptações de HQs como a trilogia “Cavaleiro das Trevas” e “Batman vs Superman”. O combate final é um show de desleixos computadorizados – de nada adianta exagerar no sangue se ele não é real. Poderiam ter optado pelas maquiagens e efeitos práticos como Guillermo del Toro (“A Forma da Água”) fez em “Blade 2”, assim o tempo teria sido menos cruel.

Com altos e baixos, “Blade” marcou época e abriu caminhos para “X-Men: O Filme” e “Homem-Aranha”. Em 2002, ganhou uma sequência pelas mãos de del Toro, este sim podendo ser considerado um dos melhores filmes de vampiros. Sua estética visual é arrebatadora e a narrativa trouxe de volta os trejeitos excêntricos do personagem. Já “Blade Trinity”, em 2004, enterrou a franquia com uma direção desequilibrada, onde a produção foi marcada por desentendimentos entre Snipes e Goyer. Blade conquistou os fãs por mérito de Snipes – ele foi um dos primeiros atores a abraçar um personagem sem receio de ficar marcado. A Marvel sabe do seu legado, então fica a esperança de que seu retorno seja tão irreverente quanto o original.

Jefferson José
@JeffersonJose_M

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