Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sábado, 15 de dezembro de 2018

A Maldição da Freira (2018): como o marketing ajuda a piorar um filme

O filme de época irlandês faz novos usos do found footage, mas não atende às expectativas de um longa de terror original ao seguir fórmulas e rastros já consolidados.

Desde os anos 1980, o subgênero found footage (“filme encontrado”) está presente no cinema de terror e ganhou extrema notoriedade após os megassucessos comerciais “A Bruxa de Blair” e “Atividade Paranormal”. A estreante diretora irlandesa Aislinn Clarke se apropria dessa técnica em “A Maldição da Freira”, colocando uma câmera 16mm na mão de dois padres em 1960 que visitam um dos infames “asilos de Madalena” na Irlanda para investigar se o relato de estátuas que choram sangue são reais ou não.

Simular a estética de documentários dos anos 60, inclusive mantendo o aspecto de quadro 4:3 no lugar da usual proporção 16:9, é uma das poucas características originais do longa, que reproduz elementos já explorados à exaustão no terror. A própria introdução é um flashforward do evento final exatamente como foi gravado o desfecho de “A Bruxa de Blair”, mudando apenas os personagens, o modelo da câmera e a locação. Após o prólogo gerar a pergunta “o que é que aconteceu com os padres?”, a história começa com a chegada do cético e vivido Padre Thomas Riley (Lalor Roddy, “Hunger”) e seu jovem ajudante e aspirante a documentarista Padre John Thornton (Ciaran Flynn, “Robin Hood”) para apurar o possível fenômeno sobrenatural.

Os “asilos de Madalena”, conhecidos na Irlanda como “lavanderias de Madalena”, eram instituições religiosas reais que abrigavam mulheres consideradas dejetos da sociedade ou que precisavam de “reabilitação”. Na virada do século, tais lugares foram acusados de abuso, tortura e trabalho escravo ao explorar as mulheres tuteladas com a conivência do governo. Na “lavanderia” de “A Maldição da Freira”, não demora muito para que os padres descubram os maus-tratos contra uma misteriosa jovem grávida presa no sombrio subsolo. Enquanto o temeroso John se preocupa em flagrar algo sobre-humano com a câmera, Thomas acredita que milagres são fraudes a serem descobertas e que a maldade é puramente humana. Querendo agir como um bom homem, o velho padre busca aprofundar a investigação e descobrir mais sobre as suspeitas atividades do local regido pela severa Madre Superiora (Helena Bereen, “Don’t Leave Home”).

À medida que os padres descobrem fatos difíceis de ser explicados, “A Maldição da Freira” desdobra uma coleção de clichês de filmes sobre possessão identificável por qualquer um que acompanhe o gênero desde “O Bebê de Rosemary” e “O Exorcista”. Infelizmente, apesar de interessante, a técnica do found footage documental não modifica para melhor nenhum dos elementos de terror clássico inseridos pela diretora. O quadro reduzido e os movimentos limitados do operador da câmera servem mais para facilitar os truques já conhecidos pelo público do que para potencializá-los. As discussões sobre moralidade e as camadas de personalidade que o texto de Lalor Roddy oferece para seu Padre Thomas acabam se tornando os únicos alívios interessantes no meio do terror insosso.

O título original do filme irlandês (“The Devil’s Doorway”, em tradução livre, “A Porta do Demônio”) é evidência que o marketing no Brasil está mais interessado em surfar a onda do recente sucesso de bilheteria “A Freira” do que vender a obra de uma maneira mais alinhada com seus temas e estilo. De certo modo, o título brasileiro até distorce as possíveis explicações que o filme dá para seus mistérios e influencia negativamente as expectativas geradas contra o que o longa de fato é. Independente da intenção do marketing ou dos realizadores, “A Maldição da Freira” encontra valor na forma e nas entrelinhas, porém, como exercício de gênero que deveria provocar medo e tensão, mal chega a ser “mais do mesmo”.

William Sousa
@williamsousa

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