Cinema com Rapadura

OPINIÃO   terça-feira, 04 de dezembro de 2018

A Vida em Si (2018): menos é mais

Mesmo com elenco inspirado, personagens demais tornam o filme inchado e a mensagem final acaba deprimindo ao invés de inspirar.

Em 2006, Sylvester Stallone trazia seu icônico personagem boxeador de volta aos cinemas com “Rocky Balboa”, onde acabou entregando um dos monólogos sobre a vida mais referenciados dos últimos anos. Dan Fogelman usa seu filme “A Vida em Si” para passar a mesma mensagem de que a vida é difícil e que precisamos aprender a nos reerguermos e buscar seguir em frente para encontrarmos felicidade e sucesso. Porém, onde a fala de Stallone é marcante e inspiradora, o longa de Fogelman consegue apenas deprimir.

Fogelman é criador da ótima série “This Is Us”, que lida com relações humanas muito bem. Também roteirista, ele procura trazer sua abordagem complexa para os personagens do filme. Nisso, o roteiro não é ruim. A obra é dividida em cinco capítulos, cada qual focando em uma pessoa sendo que todas estão entrelaçadas de alguma forma. Todas com momentos de felicidade plena e tristeza profunda, ilustrando muito bem a parte da vida ser difícil. Apesar de ter tantos personagens, o texto é coeso e ordenado. O primeiro capítulo se concentra no casal formado por Oscar Isaac (“Aniquilação”) e Olivia Wilde (“Sem Volta”), ambos fantásticos no papel. O carinho entre os dois é palpável e a química funciona desde a primeira tomada. Destaque para Isaac, que flutua muito bem entre o júbilo e o desalento e divide as melhores cenas do longa com Annete Bening (“Estrelas de Cinema Nunca Morrem”).

O segundo capítulo foca na personagem de Olivia Cooke (“Jogador Nº 1”), que se está bem no papel, não tem o tempo necessário em tela para vendê-lo. Se no primeiro capítulo sofremos e rimos com Isaac, aqui não há espaço o bastante para uma conexão com a atriz. Aprendemos o que a perturba, mas não nos sentimos incomodados junto com ela.

No próximo capítulo somos levados ao outro lado do Atlântico para conhecer a história da família Gonzalez, e aí temos outro problema do filme: personagens em excesso. A trama dos Gonzalez em si é boa e bem tocada, mas assim com o primeiro capítulo, deveria ter seu próprio filme. É história demais para tempo de menos. Aqui temos Antonio Banderas (“Alvo Triplo”), rico dono de uma fazenda de azeitonas e o casal formado por Sergio Peris-Menchetta (“Resident Evil 4: Recomeço”) e Laia Costa (“Neve Negra”), num triângulo amoroso nada simples e bem construído. É verdade que não é um dramalhão estúpido, e que o enredo tem muitas camadas e atores inspirados, mas incha demais o longa.

Mesmo com o roteiro não sendo confuso, são tantos outros arcos a serem desenvolvidos que acaba requisitando muito tempo de tela para a história de cada um ser desenvolvida corretamente. O resultado é terminar o longa apressadamente, culminando num final insosso. O último capítulo, que deveria tratar da parte que eleva os espíritos dos espectadores, tem simplesmente uma única cena curta. Uma. Fica a impressão de que como roteirista de filmes, Fogelman é um ótimo showrunner, pois essa quantidade de personagens precisaria de uma temporada de série inteira para ser desenvolvida. Talvez assim a mensagem final tivesse o impacto pretendido.

“A Vida em Si” só tem êxito em construir a primeira parte da mensagem que Fogelman quis passar ao ilustrar muito bem as tribulações da vida, mas falha enormemente na hora da conclusão, quando apenas despeja na tela a parte que era para ser edificante. Era melhor ter usado o primeiro capítulo como um longa e desenvolver a ideia de superação ali porque, do jeito que ficou, a sensação é a de ver Rocky apanhar a luta inteira para depois apenas ouvir que ele ganhou a luta.

Bruno Passos
@passosnerds

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