Cinema com Rapadura

OPINIÃO   quarta-feira, 05 de dezembro de 2018

Cadáver (2018): temendo mais os vivos do que os mortos

Gerando mais um sentimento de revolta do que qualquer forma de susto, este terror pode ser comparado aos inúmeros corpos sem vida que passam pela tela.

Ao iniciar com uma cena de exorcismo, “Cadáver” se associa mentalmente a dois exemplos recentes do mesmo gênero, que infelizmente não são bons exemplos para se ter uma ligação quase que imediata. São eles “Exorcistas do Vaticano” e “Exorcismos e Demônios“, ambos péssimos modelos de como se fazer um longa de terror. Assim como os citados, a cena é clichê, contendo todas as características já usadas exaustivamente em filmes do gênero como a voz distorcida e camas flutuantes. A única coisa que chama a atenção é um indício de que a obra terá espaço para muito gore, porém torna-se algo ignorado no decorrer da produção.

Megan (Shay Mitchell, da série “Pretty Little Liars“) acaba de sofrer uma experiência traumática e convive com o vício em bebidas e remédios, até que recebe uma oportunidade de trabalhar em um necrotério. O emprego é noturno, solitário, e consiste em fotografar e lidar com as digitais de cadáveres, justificando o título em português. Ao associar a condição psicológica de Megan com a solidão de seu novo trabalho, o roteiro de Brian Sieve (da série “Scream”) encontra seus momentos mais assertivos e brinca com a nossa percepção. Uma pena que tal condição seja abandonada logo em seguida, pois não é fácil se importar com a protagonista que não esbanja nenhum carisma.

Todo o sentimento de importância parece ser depositado nos personagens coadjuvantes, que tem pouco tempo de tela, mas ganham nossa imediata simpatia, seja pelos lampejos de profundidade do motorista Randy (Nick Thune, “Venom”) ou pelo segurança engraçado Dave (Max McNamara, “O Protetor 2″). A chegada do corpo de Hannah Grace (Kirby Johnson, “5150″) desencadeia eventos inexplicáveis, o que faz com que a produção perca totalmente o embate psicológico antes proposto. “Cadáver” parece se contradizer a cada momento, ao prometer um banho de sangue e entregar mortes sem nenhum impacto.

O uso quase imparável de jumpscares já é algo característico desse tipo de produção, sendo apenas a cereja de um bolo que vai ficando difícil de engolir próximo de seus minutos finais, seja pela constante repetição de conceitos já apresentados visualmente, tratando o espectador como burro, ou pela direção problemática do estreante em terras americanas Diederik Van Rooijen. O diretor holandês não poderia ter começado de forma pior em seu primeiro trabalho numa produção hollywoodiana, recheado de problemas nas cenas que envolvem um embate mais físico. A abundância de cortes tenta resolver os claros problemas de cenas coreografadas erradamente, além do CGI ser desastroso.

Ainda há um enorme desserviço a pessoas que sofrem de depressão e ansiedade, vindo do pai de Hannah (Louis Herthum, da serie “Westworld”), ao associar tais condições que são comprovadas cientificamente a espíritos malignos, dando margem a um debate que sempre permeou boa parte dos cristãos mais fervorosos. Ao não tratar a condição de sua filha como uma doença de fato, a produção confirma a ausência de cuidado tanto estética como narrativamente falando, e assim como um corpo imóvel, não ameaça ninguém, fazendo-nos temer os vivos por trás de uma produção tão pobre e sem nenhuma sensibilidade.

Tiago Soares
@rapadura

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