Cinema com Rapadura

OPINIÃO   quarta-feira, 05 de dezembro de 2018

O Artista do Desastre (2018): uma justa homenagem ao pior filme do mundo

Longa comandado por James Franco têm o mérito de combinar humor e drama na jornada de realização do "pior filme do mundo".

Normalmente, as narrativas que retratam o sucesso mostram uma trajetória repleta de desafios e obstáculos que, quando superados, resultam em um feito ou na produção de algo agradável e benéfico para uma ou muitas pessoas. Se, por um lado, esse é o caminho popularmente abordado, ele não é o único para conquistar a fama. Às vezes, o resultado de uma empreitada é algo tão inesperado, tido como ruim e indesejável, mas que por ser único, acaba se destacando entre os demais. É o popular “é tão ruim que é bom”. E “O Artista do Desastre” se propõe a, justamente, evidenciar uma dessas histórias.

A obra tem como objetivo homenagear e mostrar os bastidores da realização do infame “The Room”, longa de 2003 produzido, dirigido, escrito e estrelado por Tommy Wiseau (“Revenge of the Samurai Cop”). James Franco (“Future World”) dá vida ao enigmático e excêntrico protagonista, que conhece seu melhor amigo, Greg Sestero (Dave Franco, de “LEGO Ninjago: O Filme”), durante uma aula de atuação. Greg imediatamente se fascina pela persona e o jeito de ser de Tommy, e juntos, eles decidem se mudar para Los Angeles, em busca do sonho de se tornarem atores profissionais e estrelarem grandes produções de cinema. Quando a caminhada para o sucesso não se apresenta de maneira tão fácil quanto eles imaginavam, a dupla decide por fazer o próprio filme. A produção, comandada com mãos de ferro por Wiseau, será marcada por um clima conturbado, com desavenças que colocarão em risco a amizade do dois.

É justamente no ótimo texto, escrito por Scott Neustadter e Michael H. Weber (ambos de “Cidades de Papel”), que reside o trunfo mais agradável da obra. Apesar da comédia se fazer presente em diversos momentos, aproveitando-se do contexto da trama, das peculiaridades do protagonista e de um elenco conhecido por papéis cômicos, o longa também encontra espaço para o drama, criando uma sensação de gravidade para a jornada da dupla. São esses instantes dramáticos que exploram as personalidades de Tommy e Greg, desenvolvendo o relacionamento dos dois, assim como os conflitos que surgem no decorrer das filmagens de “The Room”. Por vezes, o filme os retrata de forma caricata, principalmente no caso de Wiseau, mas a obra também dá espaço para esse aprofundamento na relação da dupla, tornando os personagens mais críveis, humanos e mais fáceis de se relacionar.

A produção não se arrisca em criar uma edição mais ousada, optando por narrar a história de forma linear e sem viradas para além dos clichês, reforçando a estrutura engessada presente em várias cinebiografias. No fim das contas, o espectador já espera que tudo dê certo para os protagonistas, mas o fato da obra apostar no seguro não é um problema. O equilíbrio entre o humor e o drama é feito de maneira precisa, proporcionando ao filme um ritmo agradável sem ser cansativo. Outra decisão sábia do texto é não ocultar as intrigas e conflitos tidos entre Wiseau e o restante da equipe na realização do longa, mostrando alguém com um temperamento impetuoso e difícil de lidar, indo além do rótulo de excentricidade associado ao protagonista.

A direção de James Franco é outro ponto que opta por um caminho padronizado, com raros momentos nos quais o posicionamento ou o movimento de câmera dele cria algo visualmente mais chamativo e marcante. Aqui, seu maior mérito está na reconstrução de diversas cenas da produção original, onde fica nítido o esmero para recriar as passagens nos mínimos detalhes. James acaba se destacando mesmo na atuação, onde proporciona uma camada de complexidade e carga dramática a mais para o protagonista, aproveitando-se do drama e aflições presentes no roteiro.

Apesar de não se restringir a isso, a atuação dele se apoia nos maneirismos e no sotaque estrangeiro do ator, sendo que, muitas vezes, o espectador ri de algumas frases não por serem engraçadas, mas pela forma e pelo contexto em que ele diz isso. Sua interpretação acabou sendo reconhecida no Globo de Ouro, na categoria de Melhor Ator de Comédia, ocasião na qual ele também foi acusado de assédio sexual, seguido de novas acusações por mais cinco mulheres. 

Outro destaque é Dave Franco, que apresenta uma boa química com o irmão e é responsável por entregar o lado mais lúcido do texto. Como a obra foca bastante na relação dos dois, nomes como Seth Rogen (“Festa da Salsicha”), Alison Brie (“The Post – A Guerra Secreta”) e Josh Hutcherson (“Jogos Vorazes – A Esperança: Final”) são menos explorados e, por isso, pouco acrescentam.

Quando chega o momento dos créditos finais e as cenas do original e do longa são postas lado a lado, fica claro o esforço de “O Artista do Desastre” para homenagear não somente o tido “pior filme do mundo”, mas a figura única e peculiar que Tommy Wiseau é, e como “The Room” é o reflexo disso. O resultado final é algo que faz jus à produção de 2003, um dos cults mais peculiares da modernidade.

Luís Gustavo
@louisgustavo_

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