Cinema com Rapadura

OPINIÃO   quarta-feira, 21 de novembro de 2018

Gringo: Vivo ou Morto (2018): todos querem Harold

Filme imprevisível onde acontece de tudo mostra gerente de indústria farmacêutica tentando esquecer seus problemas em viagem ao México.

Imagine a oportunidade de mudar de vida, largar o passado problemático, os problemas financeiros e o chefe explorador. Pense nessa chance, mesmo ao acaso, e envolva uma baita confusão no meio de tudo isso. É exatamente isso que “Gringo: Vivo ou Morto” mostra. Classificado como policial/drama, a obra se destaca mais pelo seu humor negro, brincando com religião e destino, e seu interessante roteiro, apresentando o futuro e depois retornando, fazendo a construção passo a passo dos acontecimentos do filme.

O longa dirigido pelo australiano Nash Edgerton (da série australiana “Mr Inbetween”) começa mostrando a história já avançada no tempo. Harold, vivido por David Oyelowo (“O Paradoxo Cloverfield”) e seu inconfundível sotaque britânico-nigeriano, liga do México para seus empregadores, Richard (Joel Edgerton, “Operação Red Sparrow”) e Elaine (Charlize Theron, “Tully”), informando do seu sequestro por parte de traficantes e da exigência da quantia de US$ 5 milhões de resgate. A partir daí, o filme se desenvolve mostrando de que forma Harold foi parar no México e quem são seus sequestradores.

Descontente no casamento, falido por causa da esposa, sempre gastando além da conta e se sentindo traído por Richard, também seu amigo. Assim está Harold, responsável pela unidade do México da Promethium Farmacêuticos, quando cruza a fronteira para fiscalizar o sumiço de lote do mais importante produto da empresa: um comprimido de maconha que poderá ser usado de maneira legal nos Estados Unidos, representando um mercado milionário.

Praticamente todos os filmes americanos no México acaba abusando de estereótipos como traficantes, tiroteios, diálogos em espanhol e mortes. Aqui não é diferente. Ameaçado de perder o fornecimento do cobiçado produto, Villegas (Carlos Carona, da série “Sr. Ávila“), traficante líder dos Panteras Negras, impõem medo fazendo uso de tortura e ameaças. Trata-se de alguém despojado e autoritário, sem remorso de cortar o dedão do pé quando recebe resposta negativa ou é contrariado. Nada de novo, só que mais engraçado.

Desolado no meio de todos os problemas, Harold é envolvido numa bola de neve crescente. O sequestro surge – será que surge? Por ser responsável pela Promethium no México, ele vira objeto de caça de traficantes, só não é informado disso. A partir daí o acaso domina o longa. Sem controle sobre seu destino, Harold é jogado de um lado para outro, ora com traficantes, ora com dois jovens mexicanos gerentes de um hotel barato, ora com a bela Sunny (Amanda Seyfried, “Mamma Mia! Lá Vamos Nós de Novo”) no México com o namorado traficante, ora nas mãos de Richard, sempre se aproveitando do amigo/funcionário ingênuo. O protagonista tenta fugir de todos, buscando se manter vivo e esquecer sua vida carregada de problemas.

Dentre tantas pessoas atrás de Harold, destaque para o irmão de Richard, Mitch (Sharlto Copley, “Free Fire: O Tiroteio”), de volta a vida de caçador de recompensas para ajudar o irmão a trazer o protagonista de volta, e assim evitar pagar os US$ 5 milhões aos sequestradores. Harold e Mitch brilham juntos em cena, têm sintonia, suas conversas são engraçadas e ao mesmo reflexivas sobre a vida. O diálogo sobre religião, acreditar ou não em Deus, e toda sua filosofia é um dos pontos altos do filme. Essa cena tem humor peculiar, nas entrelinhas, e talvez resuma bem a trajetória de Harold em “Gringo”.

A história do filme se desenvolve lentamente, mas de forma concisa. As pontas soltas durante as primeiras cenas são amarradas conforme a história volta para mostrar de que maneira tudo começou. O uso dessa forma de narrativa, relembra diversos episódios da série “How I Met Your Mother”, deixando o longa mais envolvente. É difícil até perceber a passagem das quase duas horas de duração.

A melhor forma de classificar “Gringo” é como imprevisível. Não se sabe o que vai acontecer na cena seguinte com Harold. Ele pode estar passeando pelo México, sequestrado, fugindo de um tiroteio, capotando um carro, bebendo em um bar ou fazendo tudo isso ao mesmo tempo e ainda buscando um jeito de resolver seus problemas. No clímax, durante uma perseguição policial, um cartaz ao fundo resume bem o filme: “divirta-se no México!”. Harold se divertiu bastante, assim como o público que o acompanhou.

Filipe Scotti
@filipescotti

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