Cinema com Rapadura

OPINIÃO   terça-feira, 13 de novembro de 2018

Todas as Canções de Amor (2018): expandindo o significado de amar

A partir de um envolvente jogo entre narrativas paralelas e letras de músicas, o magnético conto sobre dois casais busca redefinir o que significa ser uma história de amor.

Não faça pouco caso do título “Todas as Canções de Amor” como mais um nome genérico para filmes românticos. A primeira obra de ficção de Joana Mariani (“Marias”) realmente extrai de canções populares a liga para contar a história de dois casais distanciados pelo tempo, mas que possuem muito mais que um apartamento em comum.

Ana (Marina Ruy Barbosa, “Sequestro Relâmpago”) e Chico (Bruno Gagliasso, “Mato Sem Cachorro”) são recém-casados e começam a se mudar para o novo lar em São Paulo. Preparando o espaço para iniciar a dança das caixas de mudança, Ana encontra um aparelho de som “3 em 1” e, dentro dele, uma fita cassete com os nomes Clarisse e Daniel, provavelmente dos antigos moradores do apê. Apesar do desdém repetitivo de Chico, o conteúdo da mixtape fascina a esposa escritora, que passa a fantasiar sobre como seria o casal da fita.

Daniel (Júlio Andrade, “Sob Pressão”) e Clarisse (Luiza Mariani, “O Grande Circo Místico”) moram no mesmo apartamento de Ana e Chico, mas num período de tempo anterior especificado pelo surgimento dos celulares, privatizações nas notícias e o início do plano Real. Na outra ponta da jornada de um relacionamento a dois, o casal do passado enfrenta sinais de afastamento e a iminente separação.

“Todas as Canções de Amor” quase não sai do espaço do apartamento paulista, fazendo com que ele seja o palco principal para contar paralelamente as duas histórias e tudo que a semelhança entre elas acentua. As técnicas de iluminação, transição de cenas e posicionamento de câmeras, ao mesmo tempo naturais e inventivas, driblam a mesmice visual e fazem com que a imobilidade do cenário imperceptivelmente artificial se torne um personagem à parte merecedor de contemplação. Em meio a tantas obras do cinema nacional que não se divorciam da linguagem televisiva, essa característica por si só destaca a direção de Joana Mariani, compensando de longe o tratamento inorgânico ao som do estúdio.

Mesmo na voz dos quatro brilhantes atores em cena e especialmente na metade inicial da experiência, os diálogos ainda meio quadrados chamam atenção demais à literalidade das composições que atravessam o filme costurando passado e presente. O roteiro falado e redundante por vezes subestima o subliminar e também não parece favorecer uma composição profunda dos personagens, mas o carisma das interpretações apaixonantes de Mariani, Andrade, Gagliasso e Barbosa transforma água em vinho dizendo mais nos silêncios, nos corpos e nas intenções do que nas palavras ditas.

Como contraponto à clássica premissa romântica de que o amor é lindo e eterno, o argumento de “todas as canções de amor”, aqui em minúsculo explícito, usa a estranheza de certas letras a princípio contraditórias para provar que relacionamentos não são fáceis e o sentimento é bem mais complexo que o clichê. Quando o amor existe, ele acontece no início, no fim e “a recordação vai estar com ele aonde for”.

Fica para o espectador decidir se Clarisse e Daniel existem no universo do filme ou se são frutos da imaginação de Ana, que encontra na escrita uma maneira de compensar sua inexperiência em relacionamentos e exercitar as complicadas emoções que caminham juntas. “Todas as Canções de Amor” convida à uma cativante reflexão musical sobre o que realmente significa amar.

William Sousa
@williamsousa

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