Cinema com Rapadura

OPINIÃO   terça-feira, 13 de novembro de 2018

Entrevista com Deus (2018): só teologia não é suficiente

Longa prende a atenção com abordagem teológica, mas não vai além das expectativas.

Entrevista com Deus” é mais um filme que vamos assistir com um pé atrás. Para os crentes, há a dúvida de como o filme vai falar de Deus, o quê e como irá abordar; para os não crentes, se é apenas mais um filme religioso genérico. O longa se assume promissor apenas pelo título, mas não se esforça para ultrapassar as expectativas.

O diretor Perry Lang (Homem De Guerra”) entrega um filme que consegue facilmente prender o espectador, com perguntas chave a serem respondidas por Deus (David Strathairn, da série “The Expanse”) que qualquer um faria. Dúvidas como a existência de Lúcifer e o Paraíso, funcionamento do livre arbítrio, vontade de Deus, coisa básicas e até clichês, mas que recebem respostas que te deixam sem saída, dão grande valor a produção. E a maneira como elas afetam a vida do jornalista Paul Asher (Brendon Thwaites, da série “Titãs”) fazem você refletir e rever suas atitudes; certamente são palavras que marcam uma vida e enriquecem o debate. Ponto para o filme.

Mas, curiosamente, é na própria vida de Paul que o longa deixa a desejar. O personagem nos é apresentado como um homem que viu de perto uma guerra, e agora precisa lidar com sérios problemas no casamento. Descobrir ao longo da trama tudo o que aconteceu com ele é instigante, mas o que começa num suspense acaba terminando confuso. A boa atuação de Thwaites faz com que você se solidarize e sinta as angústias do jornalista. Mas o roteiro não ajuda tanto a inteirar-se sobre o que de fato aconteceu, tornando a participação do público na história superficial.

Muito disso se deve à presença mínima de Sarah (Yael Grobglas, da série “Jane, a Virgem”), mulher de Paul. Peça chave na relação problemática, a personagem se torna quase esquecível devido à atenção dada à própria entrevista, que a todo momento foca na vida e problemas do jornalista, mas nunca dá uma resposta final sobre o acontecido. O envolvimento com a entrevista se torna o centro, e a obra acerta ao fazer com que quem está assistindo se coloque no lugar do entrevistador. Talvez tenha sido até proposital – a todo momento Deus afirma que já temos a resposta, e fica aquela sensação de que nossa atenção está no lugar errado. Mas o encerramento do filme carece desse progresso sobre o problema no casamento.

Não apenas isso, mas o próprio objetivo da entrevista não fica claro. A longo da história isso acaba fazendo parte do desenvolvimento da próprio conversa entre ambos, Paul e Deus, mas o roteiro fica devendo o motivo pelo qual Paul quis essa entrevista, que se torna até dúbio durante o filme (foi a resposta de suas orações ou a busca por mais espaço no seu trabalho?).

Em contrapartida, ainda que o desenvolvimento do casal e as motivações do jornalista sejam falhos, a mensagem final é entregue com sucesso. Todas as questões colocadas na entrevista tornam-se banais, e Deus vira o jogo, insistindo para que o protagonista entenda o que realmente importa em sua vida. É nisso que somos levados a refletir sobre o que se passa no filme e pensar em nossas próprias questões.

“Entrevista com Deus” deixa uma bonita mensagem sobre o que realmente importa na vida e a solução para vencer os grandes desafios. Também incita o debate sobre questões teológicas, e chega a ter a capacidade de mudar as crenças de uma pessoa, mesmo falhando ao trazer as relações interpessoais propostas para o público.

João Victor Barros
@jotaerrebarros

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