Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sexta-feira, 09 de novembro de 2018

O Protetor 2 (2018): o paladino da moral

O diretor Antoine Fuqua explora a presença de tela de Denzel Washington e reforça seu estereótipo de bom moço, agora para um tipo de herói doutrinador.

Engana-se quem vai ver “O Protetor 2” como um filme de ação. Apesar de nomes conhecidos do gênero, ele é de fato um drama, e isto está longe de ser um demérito. Dito isso, é nas sutilezas que compõem o personagem de Denzel Washington (“O Livro de Eli”) que está o brilho da direção de Antoine Fuqua (“Sete Homens e um Destino”). Contudo, essa história já foi contada inúmeras outras vezes e não apresenta nada de novo, mas o talento da dupla de reproduzir o cotidiano do subúrbio na tela é inegável. A parceria lembra mais uma tentativa de reciclar o irretocável “Dia de Treinamento”, ressaltando, como sempre, a imagem de Denzel acima do seu personagem.

Massachusetts, Estados Unidos. O ex-agente secreto Robert McCall (Washington) trabalha como motorista de Uber. Seja no carro ou no condomínio que mora, McCall está sempre ajudando pessoas que enfrentam dificuldades decorrentes de injustiças. Quando sua amiga Susan Plummer (Melissa Leo, de “A Mulher Mais Odiada dos Estados Unidos”) é morta durante a investigação de um assassinato na Bélgica, ele decide sair do anonimato e encontrar seu antigo parceiro, Dave (Pedro Pascal, de “Kingsman: O Círculo Dourado”), no intuito de encontrar pistas sobre o autor do crime. É aí que McCall começa a se expor e sair da sua zona de conforto, entrando em conflito com a sua rotina pacata e cada vez mais perfeccionista depois da perda da sua esposa.

O protagonista é o justiceiro silencioso do seu círculo de convívio. Ele não quer mudar o mundo, ele se dispõe a ajudar quem cruza seu caminho sem mérito nenhum, seja a passageira violentada ou o jovem vizinho Miles que flerta com o crime. É na conversa com Miles (Ashton Sanders, de “Moonlight: Sob a Luz do Luar”) que McCall expõe suas motivações e afirma que o dever é seu guia moral, quando ele cita: “Tem razão, acho que qualquer um podia fazer isso. Mas ninguém faz Miles. Acaba que todo mundo reclama porque ninguém fez o que qualquer um podia ter feito. Ou devia ter feito”.

Em qualquer que seja a situação, o personagem principal parece buscar experiências espirituais. Seu comportamento calmo remete ao de um budista, mas também o vemos vestido de muçulmano indo à Turquia resgatar a garotinha da livraria que frequenta e, em outro momento, ele complementa um versículo bíblico citado por um passageiro com problemas alcoólicos. Como leitor voraz, sua nova encomenda na livraria é “Em Busca do Tempo Perdido”, de Marcel Proust, uma obra romanesca sobre memórias. O filme quer nos dizer que McCall ainda não superou a morte da esposa, deixando isso claro quando a narrativa leva o embate final para a pequena cidade litorânea onde o casal residia.

Por mais que haja motivação que dê substância aos personagens nessa continuação, um olhar mais distanciado evidencia uma ligação necessária com o longa anterior. Fuqua teve habilidade para passear pelos gêneros e a ousadia de resgatar os longas moralistas. A confiança no olhar de McCall e o perfeccionismo com as mãos também nos remete aos icônicos personagens do faroeste clássico. Assim como Keanu Reeves em “De Volta Ao Jogo”, é visível a pretensão de Denzel Washington em ter sua própria franquia. O que difere as duas produções de outras obras do mesmo escopo é, claramente, a escolha de diretores com assinatura, capazes de dar um olhar único à histórias já bem conhecidas no nosso meio.

Jefferson José
@JeffersonJose_M

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