Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sexta-feira, 02 de novembro de 2018

Johnny English 3.0 (2018): o brilhante Rowan Atkinson em ação… e nada mais

O terceiro filme da série formulaica quase se confunde com uma regravação ao repetir as mesmas batidas dos anteriores. Ainda assim, é uma oportunidade para os fãs reverem Rowan Atkinson como protagonista nos cinemas.

Um ataque cibernético ao banco de dados do serviço secreto britânico rouba as identidades de todos os espiões da ativa. Só resta um agente especial para proteger o Reino Unido da ameaça iminente. Esta é a premissa de “007 – Operação Skyfall”  “Johnny English 3.0”, o terceiro exemplar da série especializada em parodiar os filmes da franquia James Bond.

Rowan Atkinson (“As Férias de Mr. Bean”) é English, Johnny English, o espião trapalhão da agência britânica de inteligência “MI7” que estreou nos cinemas em 2003, ganhou uma sequência em 2011 (“O Retorno de Johnny English”) e chega em 2018, já aposentado, na sua versão 3.0. A pedido da Primeira-Ministra da vez, interpretada por Emma Thompson (“Razão e Sensibilidade”), Johnny precisa voltar à atividade para investigar a origem de um ataque hacker. O problema é que o passar dos anos tornou tudo high-tech demais para o experiente espião. Smartphones substituíram as armas, e os luxuosos carros foram trocados por híbridos. Sorte para English que os apetrechos analógicos são só o que ele precisa contra o inimigo digital.

É sorte também para o filme que Johnny English seja defendido por um dos maiores gênios da comédia moderna. Os trabalhos de Atkinson se comparam aos de Buster Keaton nos EUA e, em particular, aos de Jacques Tati na França. Sua especialidade é a comédia física, meio pastelão, mas de contido exagero. As piadas de Rowan não nascem exatamente de diálogos ou deixas inspiradas. Elas surgem nas atitudes dos seus personagens quando precisam lidar com problemas do cotidiano. Na pele de Mr. Bean, sua criação mais famosa, este tipo de humor se materializa na forma mais pura, sem falas, completamente físico e visual. Já no caso de Johnny English, é verdade que a vida de um agente secreto não tem nada de usual. No entanto, a graça aparece nas furadas em que ele se mete para executar até os mais simples planos. Esses personagens são desajeitados sociais, vaidosos, e fazem de tudo para manter a pose. Para English, aparecer bem na fita pode ser até mais importante que salvar o mundo.

Há praticamente uma fórmula explorada à exaustão nos três filmes. Numa estrutura básica de cenas, Johnny comete um equívoco inicial, o set up, que é evidente para o espectador. As consequências do erro são logo quase sempre previsíveis e as risadas acontecem pelas reações de Rowan tentando manter a dignidade do agente a qualquer preço. A imagem de English é o que ele tem de mais valioso. A reputação e a compostura do cavalheiro britânico das múltiplas habilidades são prioridade e precisam ser protegidas contra sua natureza atrapalhada, a verdadeira arqui-inimiga do agente. Na fórmula da trilogia ainda há personagens assíduos: o vilão com planos mirabolantes para conquistar a Grã-Bretanha, a autoridade chefe do espião, a femme fatale que enxerga além dos defeitos de Johnny e um quarto tipo, não-clássico, o ajudante-testemunha das confusões do agente. Para este último papel, “Johnny English 3.0” traz de volta Bough (Ben Miller, “Paddington 2”), o fiel companheiro do filme original.

Infelizmente, a fórmula também se apoia em gags recorrentes de Rowan, piadas que já vimos o ator executar em obras anteriores e em seus trabalhos na televisão. Enquanto as franquias satirizadas de “007” e “Missão Impossível” costuram sequências de ação (as famigeradas “set pieces”), na franquia “Johnny English” são costurados os esquetes do comediante inglês. Diferente de outros prodígios da comédia física como Keaton, Chaplin e Tati, que também são diretores, a atuação de Atkinson não propõe câmeras marcantes. Seus filmes se apoiam demais em sua performance e isso não é diferente aqui. A eventual originalidade dos esquetes está nos contextos que o longa cria para inseri-los, e não mais na maneira como são executados. Por esse motivo, a excelência do humor de Rowan Atkinson talvez seja melhor apreciada no formato da TV do que pela dinâmica de um cinema desinspirado.

A exemplo dos ótimos “A Espiã Que Sabia de Menos” e “Kingsman: Serviço Secreto”, e com a expectativa lá no alto para o gênero que mistura comédia, ação e espionagem, “Johnny English 3.0” desaponta pela simplicidade relativa na produção das cenas e nos efeitos. A sequência não inova em relação aos filmes anteriores, mas pelo menos mantém as mesmas qualidades, que acabam servindo como bom parâmetro de escolha. Quem se satisfez com os dois primeiros vai também aproveitar o terceiro, desde que não espere nada mais desta obra.

William Sousa
@williamsousa

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