Cinema com Rapadura

OPINIÃO   quarta-feira, 31 de outubro de 2018

Bleach (2018): uma adaptação no caminho certo

Mesmo sem o equilíbrio ideal entre a estética de anime e de live-action, o filme acerta com o roteiro enxuto, focado em seus personagens principais.

Adaptações live-action de animes sempre causaram preocupação. O histórico de produções de baixa qualidade e/ou que diferem muito do material original é de inúmeras decepções intercaladas por uma ou outra exceção que energiza as esperanças dos fãs em haver boas transposições. “Bleach”, felizmente, foge à regra.

O filme traz Ichigo Kurosaki (Sôta Fukushi, o protagonista da série “Kamen Rider Fourze”), jovem que sempre pôde ver fantasmas e tenta ajudá-los a fazerem a transição para o outro mundo. Seu chamado para a aventura acontece quando ele encontra Rukia Kuchiki (Hana Sugisaki), ceifadora de almas (ou shinigami, nome usado pelos fãs de longa data). Numa cena falha em passar a urgência do momento, a personagem transfere seus poderes para Ichigo, que agora precisa aprender a usá-los.

A maioria das adaptações cinematográficas de animes tentam enfiar um monte de momentos marcantes em filmes de duas horas, o que acaba sendo um festival de imagens visualmente impressionantes, mas vazias e sem peso. Isso não acontece aqui. Mesmo bastante expositivo no início, o roteiro consegue resumir muito bem todos os pontos importantes da primeira temporada da série. Os personagens principais e o lore do universo criado por Tite Kubo são apresentados de maneira rica e interessante, dando vontade de conhecê-los cada vez mais.

Entretanto, ao focar num resumo do primeiro arco do anime, o roteiro apresenta alguns conflitos que não vão para lugar nenhum. Urahara, Chad e Orihime são elementos que não têm função alguma para a trama, e Ishida tem uma premissa interessante, mas abandonada. Quem já conhece a obra não vai se incomodar, pois sabe de antemão que são papéis desenvolvidos em outras temporadas da série e de suma importância para a jornada do protagonista, assim preenchendo as lacunas de informação do filme. Isso, contudo, não muda o fato de que é uma obra que precisa de continuações. Como trabalho único, esses personagens são falhas no roteiro.

O diretor escolhido para esta adaptação, Shinsuke Sato, é veterano em transcrever animes para live-actions. Tendo dirigido “Gantz” e “Death Note: Light Up the New World”, ele sabe aproveitar um orçamento nada hollywoodiano para fazer as cenas de ação e CGI renderem. Não só porque os efeitos convencem, mas também pelas tomadas terem ótimo ritmo e coreografias de luta empolgantes, tudo orquestrado por escolhas de planos certeiras. Em animes, há muitos closes e personagens em primeiro plano, sempre para focar o momento no que os intérpretes estão sentindo. Sato soube fazer uso dessas técnicas, trazendo a estética das animações japonesas para o filme, ao mesmo tempo em que esses planos permitiram esconder o CGI sem sacrificar o ritmo das cenas.

Entretanto, há certas escolhas de planos que causam estranheza. Focar num personagem levantando uma arma num ângulo em que seu braço tapa sua boca enquanto ele fala resulta numa imagem praticamente estática e confusa. Há também um ou outro close que demora demais e acaba perdendo o timing. A montagem parece amadora nesses poucos momentos, mas também é genial em outros, com destaque para a sequência de desenhos da Rukia, que transforma até mesmo diálogos expositivos em algo divertido e bem adaptado.

Os atores são dedicados e convencem bem. Fukushi traz ótimo equilíbrio entre dedicação, preocupação, mau humor e resiliência, que fizeram de Ichigo um protagonista tão amado na série animada. Sugisaki tem a seriedade e urgência contida necessárias para uma boa Rukia, enquanto Yôsuke Eguchi tem o carinho contido dentro da fanfarrice de Isshin Kurosaki. Há também o cantor Miyavi (“Kong: A Ilha da Caveira”), com a altivez e autoridade do Capitão Byakuya, e Taichi Saotome, convencido e cheio de si como Renji Abarai. Porém, também é nas atuações que algo precisa ser pontuado: a preocupação de usar a linguagem de animações japonesas é levada um pouco demais ao pé da letra. Se os enquadramentos funcionam bem, trazer alguns trejeitos de personagens para os atores imitarem ipsis litteris é apenas bizarro. O equilíbrio ideal entre a estética de anime e live action é acima da média, mas ainda falho.

A trilha sonora com pitadas de rock e música eletrônica não só encaixam muito bem com as sequências de luta como trazem o espírito do anime ao filme. A luta final empolga, o visual translúcido dos Hollows dá a aura certa de monstro fantasmagórico, e os figurinos são fiéis, sem parecerem cosplays de baixa qualidade. O roteiro, mesmo com algumas convenções inverossímeis, é enxuto e acerta ao se concentrar na apresentação de um universo tão vasto.

Bleach” é uma ótima lufada de ar fresco num furacão de adaptações ruins, e deixa a esperança de grandes filmes no futuro. Sem a pressa de trazer a longa história do anime para a tela grande, o roteiro focou no que realmente conquistou o público ao longo dos anos, os personagens.­

Bruno Passos
@passosnerds

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