Cinema com Rapadura

OPINIÃO   quarta-feira, 10 de outubro de 2018

Buscando… (2018): encontrando o suspense através do espelho

Filme é uma experimentação bem-sucedida e acessível.

O cinema procura incessantemente incorporar os avanços tecnológicos em sua estrutura, acompanhando os passos da sociedade em seus desdobramentos. Após os flertes e tentativas de compreensão de como a nova ferramenta funciona e como ela se relaciona com as pessoas, os filmes buscam trazê-la para o primeiro plano, seja para conversar com uma nova geração que já tem essa tecnologia como indispensável, ou para buscar explorar os horizontes narrativos que ela promete. “Buscando…“, longa de estreia do diretor Aneesh Chaganty, utiliza nossas interfaces e vidas presas nas telas de eletrônicos como conduítes de um filme competente e interessante como experiência narrativa.

Nele, David Kim (John Cho, “Além da Escuridão: Star Trek“) é um pai afastado de sua filha Margot (Michelle La) que, à ocasião do desaparecimento dela, se vê obrigado a mergulhar na reclusa vida digital da garota para tentar encontrá-la. Viajando de tela em tela, o filme se dedica a explorar as diversas interações que a jovem tem através de seu celular e computador, nas mais variadas plataformas e redes sociais. Assim como Margot, a audiência jamais sai das telas, apenas expandindo seu alcance sem nunca deixá-las.

Inicialmente, a experiência é tão incômoda quanto a proposta deixa transparecer. Chaganty, diretor e roteirista, decide já iniciar seu filme com uma imagem clássica do Windows XP, e o público passa a procurar compreender porque pagou para ver estes ícones em tela grande. No entanto, não tarda para que a familiaridade com estes aparelhos entre em cena, de forma que se transita de espectador para usuário sem dificuldades, enquanto o longa se aprofunda em seus personagens com uma leveza e sensibilidade louváveis.

A partir daí, é possível focar na trama que se desenrola. O roteiro faz malabarismos para explorar situações diferentes enquanto David tenta compreender os descaminhos recentes de sua filha. Esta é a maior conquista de “Buscando…”: ele consegue não ser monótono mesmo quando é repetitivo no seu intercalar do foco entre o artifício e a narrativa. Quando a tecnologia fica insípida, a trama dá uma reviravolta, da mesma forma que a história entra em marasmo quando o longa quer experimentar visualmente com algo novo.

É da metade para frente que a obra perde seu equilíbrio. Atabalhoando-se com tantas revelações, o longa busca surpreender diversas vezes seguidas, tornando-se cansativo neste processo. Soma-se a isso que a história parece se considerar mais surpreendente do que de fato é; muitas de suas surpresas são telegrafadas, acrescentando pouco à trama e à experiência do filme.

As atuações, limitadas pelos retângulos digitais, fazem o possível com os espaços dados. John Cho é bem-sucedido em seu desempenho, principalmente quando considerado que precisou contracenar somente com as câmeras em grande parte do longa. Debra Messing (da série Will & Grace) faz sua detetive Vick com uma intensidade que beira o exagero dentro de um filme comedido como este. No restante dos 100 minutos da produção, quem brilha são os ângulos que as lentes dos aparelhos projetam em cena, as quais exploram as expressões faciais dos seus atores tanto quanto os detalhes das informações distribuídas pelas telas.

Neste processo, “Buscando…” se encontra como um suspense que, embora experimental, consegue apelar para o grande público através de seu didatismo. Tentando surpreender narrativa e visualmente, tem mais sucessos do que fracassos, e leva seu público a refletir sobre seus espelhos negros e como deixamos toda uma vida – entre frustrações, relações humanas e fugas – dentro destes aparelhos.

Erik Avilez
@eriksemc_

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