Cinema com Rapadura

OPINIÃO   quinta-feira, 04 de outubro de 2018

Venom (2018): uma luta contra bocejos

A tentativa da Sony de ampliar o universo do Homem Aranha no cinema vem com uma premissa interessante. Mas erros na execução tornam "Venom" mais uma adaptação monótona dos quadrinhos

Desde o lançamento de “Família Soprano”, os anti-heróis passaram a ganhar cada vez mais destaque na cultura pop. Não que Tony Soprano tenha sido o primeiro a ocupar o posto de protagonista com motivações e ações questionáveis, mas sua figura foi icônica e serviu para popularizar o conceito. “Venom” busca seguir essa linha, que não se limita a dualismos e entrega um personagem complexo e interessante. Mas quando o trabalho é mal executado, um bom conceito não consegue salvar o todo.

O filme acompanha Eddie Brock (Tom Hardy, de “Dunkirk”) um jornalista investigativo que, ao ser escalado para entrevistar Carlton Drake (Riz Ahmed, de “Rogue One: Uma História Star Wars”), o criador da Fundação Vida, descobre que ele tem realizado experimentos científicos em humanos. Brock decide denunciar esta situação durante a entrevista, o que faz com que seja demitido e sua namorada, Anne Weying (Michelle Williams, de “Todo o Dinheiro do Mundo”), termine com ele.  Após seis meses e ainda desempregado, o repórter vê a oportunidade de voltar à Fundação Vida para investigar o que está acontecendo por lá, mas acaba ele mesmo se tornando uma vítima dos experimentos quando o simbionte Venom invade seu corpo.

O longa tem um início promissor. A montagem e o roteiro são ágeis e não perdem tempo ao apresentar o protagonista. Diálogos rápidos e pouco expositivos são colocados em cena em situações prováveis e bem aproveitadas. E, embora haja um certo exagero na construção de Eddie Brock, não há incômodo que ganhe mais destaque do que a obra como um todo. Ao mesmo tempo, montagem e roteiro são responsáveis pelo desespero narrativo que toma conta do filme a partir da metade do segundo ato. Entre decisões motivadas por estupidez (dos personagens) e exageros para forçar uma coincidência, tudo o que acontece tem uma origem tão improvável que fica difícil se apegar de alguma maneira com o que está sendo exibido.

E, apesar dessa dinâmica, Tom Hardy consegue carregar seus personagens (e o filme) nas costas. O ator transmite bem a sensação de incômodo que o parasita causa em Eddie Brock. Mesmo com a dualidade sendo ignorada em determinados momentos, é nítida a peleja contra si mesmo para evitar ser totalmente dominado pelo simbionte. E por mais que existam diversas camadas em Brock, a obra não ignora os vários conflitos internos estabelecidos pelo roteiro.

Já aos demais papéis, resta a preguiçosa função de justificar a existência deste filme. Drake é o vilão excessivamente maniqueísta, construído da forma mais plana possível. Desde sua primeira aparição na tela, ele se mostra como o rico empresário que tem um único objetivo. Suas motivações são tão pobres que o roteiro não exita em deixá-las de lado na primeira oportunidade. E este mesmo maniqueísmo pode ser observado nos demais que surgem como coadjuvantes eventuais, para forçar a trama a seguir em frente. Anne é quem mais parece fugir dos clichês, porém a obra ignora tudo o que é estabelecido para ela, que assume uma função inconsistente com a própria personagem.

A direção de Ruben Fleischer (“Caça aos Gângsteres”) não é de todo incômoda, e apesar da falta de inspiração em algumas das sequências de ação, ele consegue colocar a câmera sempre próxima dos atores. Se de um lado as explosões e lutas deixam bem evidente que tudo se resume a uma encenação, não há como negar que trata-se pelo menos de uma encenação bem feita. E apesar do cinema já ter nos proporcionado melhores momentos, tanto de perseguições quanto de luta, estes são os pontos altos aqui. Exceto, justamente, pela sequência final, quando o uso do CGI, tanto nos personagens quanto no cenário, não passa nenhuma noção de realidade.

Com eventuais flertes com o terror e com a comédia – esta bem executada por Tom Hardy -, “Venom” é mais uma adaptação de histórias em quadrinhos que não consegue aproveitar um personagem interessante. O roteiro é o verdadeiro vilão ao apelar para justificativas infelizes e papéis bobos, com motivações que deveriam ter morrido na década de 1990. Se a Sony procurava um anti-herói para ocupar o hall junto a tantas outras figuras que se tornaram clássicas, precisa aprender a olhar melhor para suas referências.

Robinson Samulak Alves
@rsamulakalves

Compartilhe