Entre erros e acertos, a comédia romântica da Netflix aposta na simplicidade e na compreensão de seu público para fazer sucesso.
É impossível não reconhecer o sucesso de filmes que abordam a temática colegial e o amadurecimento na juventude. Contudo, o universo dessas obras costuma ser bastante limitado, tanto nas possibilidades narrativas quanto na própria ambientação – duvido que você tenha frequentado uma escola igual a desses filmes. Mas a falta de novas abordagens e originalidade seria um problema real? “Para Todos os Garotos que Já Amei”, assim como várias outras produções recentes da Netflix, provam que não.
A gigante do streaming vem buscando cada vez mais atender um público que devora esse tipo de produção. E, ainda que uma ou outra obra possa ter sua qualidade questionada, não há como negar a capacidade que esses filmes têm de conquistar e satisfazer seus espectadores. Se gostar de comédias românticas nesse escopo, é bem provável que você se afeiçoe à Lara Jean (Lana Condor, “X-Men: Apocalipse”) e sua incrível personalidade. A jovem é mais uma típica protagonista que nunca namorou e que enfrenta dificuldades em se socializar. Mas a personagem consegue ser apaixonante mesmo assim, já que demonstra força para enfrentar seus problemas e possui um carisma excepcional, muito vindo da ótima atuação de Condor.
Lara Jean tem seu mundo chacoalhado por um terremoto quando as cinco cartas de amor escritas e endereçadas aos rapazes que mexeram afetivamente com ela são “misteriosamente” postadas. Infelizmente o filme não abraça tanto as diversas possibilidades que esse ato oferece, afinal, são cinco possíveis pretendentes para a jovem. Mesmo assim, situações cômicas e constrangedoras para a protagonista são geradas, ainda que o roteiro decida por privilegiar apenas dois remetentes: Josh (Israel Broussard, “Extinção”), vizinho e ex-namorado de sua irmã, e Peter (Noah Centineo, “Sierra Burgess é uma Loser”), o garoto popular da escola e namorado de sua arqui-inimiga.
Garota que nunca namorou, rapaz popular, ex-amiga malvada, melhor amiga “estranha”, irmã mais nova engraçada… todos estes clichês estão presente em “Para Todos os Garotos” e embora o público desse tipo de obra claramente não se importe com o quanto o longa possa se tornar repetitivo, mesmo assim é visível a tentativa de quebrar esses lugares-comuns. Isto é perceptível, por exemplo, quando é mostrado que Lara Jean se apaixona por Peter bem antes dele se tornar o garoto popular da escola, motivada exclusivamente pelo “momento mágico” ocorrido entre os dois quando crianças. Outro exemplo mostra-se na própria escolha de uma atriz de ascendência asiática e fora dos padrões hollywoodianos de beleza como protagonista. Essa decisão, embora excelente no âmbito representativo externo à produção, acaba influenciando pouco na trama em si, rendendo apenas algumas inserções de traços culturais, mas sem tanta importância no geral.
Conforme o filme vai avançando, percebemos rapidamente que a trama das cartas é totalmente esquecida. Seu lugar é tomado pelo desenvolvimento do relacionamento falso entre Lara Jean e Peter, cuja origem, vale notar, acontece de forma bem estranha, até para os padrões de comédias estudantis. Quanto mais abraça essa temática, mais previsível o longa vai ficando, e mais os erros vão se acumulando. Josh, que já não era tão explorado, praticamente desaparece. Além disso, os rumos escolhidos fazem com que não tenhamos nenhuma dúvida sobre o que vai acontecer a seguir, exceto por um plot extremamente desnecessário e apelativo presente na parte final. Se era necessário alongar a produção (o que parece ter motivado essa inserção), que fosse investindo mais na casa da protagonista. As cenas envolvendo a família de Lara Jean renderam momentos ótimos, tanto na comédia – méritos para a irmã mais nova Kitty (Anna Cathcart, “Esquadrão Bizarro: O Filme”) -, quanto na construção de sua personalidade e na contribuição para o seu amadurecimento.
É visível também a delicadeza com que temas significativos são tratados. Ainda que os problemas de adolescentes sejam vistos como pequenos pelos adultos, é inegável o quanto eles afetam a personalidade e as relações entre os jovens. Peter, por exemplo, é retratado como o garoto popular e aparentemente superficial. Mas acabamos descobrindo o quanto é difícil para ele expressar o sofrimento com o abandono de seu pai. Mesmo que isso esteja longe de compor a temática principal do filme, sendo até pouquíssimo explorado, acaba por ser um sentimento facilmente assimilado por todos nós. Méritos para a diretora Susan Johnson que, em seu primeiro grande projeto, mostra ternura e leveza ao trazer mais conteúdo emocional do que puramente cômico para sua obra, diferente, por exemplo, de “A Barraca do Beijo”, também da Netflix. Porém, a diretora acaba decepcionando em alguns pontos, principalmente na opção por vários planos longos e com a câmera estática, o que acaba transformando muitas cenas que poderiam ser dinâmicas em momentos cansativos.
O balanço final de “Para Todos os Garotos” é positivo, sobretudo se comparado a outros filmes recentes da plataforma de streaming. De fato, trata-se de um longa cheio de clichês e decisões questionáveis, mas também é uma obra com muitos traços de uma alma própria, além de bastante carisma e um visível esforço para agradar ao seu público. Mesmo sem trazer aquele ensinamento maravilhoso que irá mudar vidas, dificilmente não irá satisfazer os espectadores que adoram comédias estudantis.