Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sábado, 08 de setembro de 2018

A Barraca do Beijo (Netflix, 2018): aí foi que a barraca desabou

Prometendo ser uma obra simples e divertida, o longa apresenta diversos furos de roteiro aliados a uma perigosa mensagem sobre relacionamentos e muitos, mas muitos lugares-comuns.

Quando alguém surge com uma ideia nova e faz algum sucesso nos cinemas, esse conceito é rapidamente replicado, buscando atingir o mesmo êxito do predecessor. Assim surgem os clichês, frutos da repetição exaustiva de fórmulas ou pensamentos. Apoiar-se em lugares-comuns não é necessariamente um erro, longe disso. Alguns longas conquistam o público apenas por retratarem aquele tema que, por mais batido que esteja, traz boas lembranças para os espectadores. “A Barraca do Beijo” busca cativar os amantes dos filmes de amadurecimento adolescente, que se perpetuam na mente dos cinéfilos desde a consagrada filmografia de John Hughes. Porém, a obra parece não conseguir ser mais do que uma salada de clichês.

A história acompanha a duradoura relação entre Lee Flynn (Joel Courtney, “Super 8”) e Shelly “Elle” Evans (Joey King, “Slender Man: Pesadelo Sem Rosto”), amigos que compartilham momentos desde sempre, pois nasceram no mesmo dia. Com o passar do tempo, Elle desenvolve um interesse amoroso por Noah (Jacob Elordi), irmão mais velho de Lee. Porém, ela não investe nessa atração, pois vai contra o conjunto de regras que desenvolveu com o melhor amigo e poderia estragar a amizade entre eles. Mas tudo acaba mudando tudo quando ela beija Noah em uma festa da escola.

Assistir “A Barraca do Beijo” não vai trazer discussões complexas ou reflexões profundas – muito devido à péssima abordagem de temas importantes – para o espectador. A obra da Netflix se propõe ser apenas um entretenimento para quem quer desligar totalmente o cérebro e relaxar. Para isso, traz tudo que há de comum nos filmes adolescentes: a menina que nunca foi beijada, o garoto bonitão, popular e briguento, as meninas populares e, claro, o baile de formatura. Juntando tudo isso, adicionam-se as relações amorosas e o amadurecimento em uma trama tão simples quanto previsível e chegamos nesse produto final. Entretanto, apesar de apostar na identificação do seu público-alvo com sua premissa e seu propósito, o longa apresenta problemas difíceis demais de serem deixados de lado.

O maior deles, e que lamentavelmente não é tão exposto, é a falta de tato do diretor Vince Marcello (“Um Vampiro Mentiroso”) em tratar de temas delicados e importantes, adaptados do livro homônimo escrito por Beth Reekles. Tuppen (atuação pavorosa de Joshua Eady, “As Apimentadas: #Desafio Mundial”) passa a mão por baixo da saia de Elle e aparentemente não sofre nenhuma punição, já que aparece normalmente na escola no dia seguinte. E ela ainda marca um encontro com ele, mesmo após o assédio. Temos também o caso de Noah, manipulador e controlador com Elle antes mesmo deles estarem num relacionamento. Ele está sempre dando ordens, além de ameaçar e provocar brigas com quem quer que tente investir em uma relação com ela. Chega a ser estarrecedor o modo como Noah grita com ela para que entre em seu carro, isso logo após ter surrado outro personagem por conta de uma piada de mau gosto dita com ele. Definitivamente, esse não é o tipo de relacionamento que deve ser idealizado por quem quer que esteja assistindo a obra.

A metade final, extremamente enfadonha, apenas reflete as más decisões tomadas desde a pré-produção. O roteiro não consegue se manter interessante ao abordar o drama envolvendo a amizade de Elle e Lee, que some em vários momentos mesmo sendo peça fundamental para a construção da história. Em momentos onde atuações com alta carga dramática eram necessárias, o que se vê são rostos com pouca expressão e emoção, fruto da escolha do casting baseada apenas no aspecto físico – chega a ser inacreditável a dificuldade de Elordi em apresentar mais de duas expressões faciais, algo que não se espera nem de um ator estreante como ele. Neste sentido, apenas King se destaca na construção de sua personagem, uma tarefa nem um pouco difícil visto o nível dos demais.

Outro ponto que incomoda é a constante inserção de elementos que vão sendo esquecidos no decorrer da obra, raramente relembrados, mas sem o apelo que deveriam ter. Sabemos desde as primeiras cenas que Elle e Lee adoram dançar juntos, sendo um ato significativo para a amizade deles. Acontece que isso é completamente desprezado até meados do terceiro ato, fazendo com que a nova cena deles dançando não tenha o mesmo impacto que teria se isso fosse melhor explorado. O mesmo ocorre com as regras criadas entre os amigos, que mesmo sendo de fácil identificação com o público, aparecem tão esporadicamente que às vezes até esquecemos da existência delas, afinal elas só surgem quando convém. Ou até mesmo com a própria barraca do beijo que dá título ao longa, que tem sua importância apenas no arco inicial, mas reaparece de uma forma muito inusitada e até gratuita quando o filme está chegando ao fim.

Por mais que a abertura prometa uma obra leve, simples e divertida, são os furos de roteiro aliados a uma perigosa mensagem sobre relacionamentos que transformam “A Barraca do Beijo” em uma produção abaixo da média. Mesmo tentando subverter alguns dos clichês abordados, como nos acontecimentos envolvendo Lee e Elle, a falta de ousadia, tanto na história quanto nos quesitos técnicos, é imensa. É fato que existirá a parcela do público que irá se identificar com o longa e abraçar a causa dos “filmes para relaxar sem pensar”. Mas a única lição realmente efetiva que se tira desta história é o que definitivamente NÃO se deve fazer ao namorar escondido.

Martinho Neto
@omeninomartinho

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