Cinema com Rapadura

OPINIÃO   quinta-feira, 23 de agosto de 2018

Slender Man: Pesadelo Sem Rosto (2018): quem tem medo do terror óbvio?

No meio da atual leva de filmes de terror, que retomam as narrativas clássicas das décadas de 1960 e 1970, este filme parece deslocado, apostando no óbvio para causar sustos, mas sem conseguir entregar uma boa história.

Se for possível destacar uma qualidade envolvendo a figura do Slender Man, a proximidade com o incompreensível universo criado por H.P. Lovecraft seria a principal – possivelmente a única. A história, surgida em 2009 numa creepypasta (lendas urbanas divulgadas em fóruns da internet), não oferece muito ao público além do conceito visual de um homem alto, magro e sem rosto. De fato, se sua imagem tornou-se popular na internet, pode-se considerar mais o acaso do que qualquer outro fator envolvendo criatividade.

Mas se na sua essência, a personagem carece de uma mitologia que reforce quem ela é ou o que ela realmente pode fazer, aqueles que se propõe a utilizar o conceito para criar algo a partir da imagem podem se beneficiar de um universo de possibilidades. Não havendo um conceito estabelecido, a criatividade é o limite.

Este poderia ser o grande mérito de “Slender Man: Pesadelo Sem Rosto”. O filme conta a história de quatro amigas, Wren (Joey King, de “A Barraca do Beijo”), Hallie (Julia Goldani Telles, de “Most Likely to Murder”), Chloe (Jaz Sinclair, de “Uma Noite de Loucuras”) e Katie (Annalise Basso, de “Ouija: Origem do Mal”), que decidem fazer um ritual de invocação desta estranha figura. Porém, o que começa como uma brincadeira entre adolescentes se torna uma luta para manter a sanidade, quando uma delas desaparece misteriosamente.

O fato de não haver, como já mencionado, um conceito bem definido sobre o que é o Slender Man, faz com que qualquer opção do roteirista seja válida. Nesse sentido, não há como apontar um erro na construção do vilão do filme. Porém, isso não significa que todas as opções sejam igualmente interessantes. E, a partir disto, é possível reconhecer a pobreza narrativa que acompanha o longa, do início ao fim, com raríssimas exceções. Toda ação é motivada por um ato implausível, explicitando a fragilidade do roteiro de David Birke (“Elle”). As personagens são constantemente colocadas em perigo a partir de ações injustificadas, como verificar quem está invadindo a casa antes de ligar para a polícia, ou entrar numa floresta durante a noite. Se houve um momento que o cinema de terror se permitiu fazer da inocência (ou estupidez) das personagens para criar tensão, hoje espera-se mais do gênero, mesmo em obras mais triviais.

Soma-se a isso o precário desenvolvimento de personagens, que afeta a narrativa de terror de forma significativa. Há pouco sobre a personalidade das garotas que seja capaz de criar qualquer tipo de vínculo. Quando Katie desaparece, por exemplo, temos apenas uma suspeita sobre o alcoolismo do pai. Este, por sua vez, não é utilizado para criar o sentimento de perda, sendo deixado de lado ainda no primeiro ato. Algo não muito diferente acontece com Chloe, cuja única função é mostrar a consequência psicológica de confrontar Slender Man, porém ela é outro recurso que o roteiro ignora quando convém.

E se o texto é falho, a direção de Sylvain White (“Os Perdedores”) parece fazer pouco para resolver tais problemas. A história é contada da forma mais simples possível. Os sustos óbvios e pouco criativos são irritantes ou gratuitos. Uma desculpa simples para tentar evocar algum tipo de medo no público, uma vez que a história não consegue fazer isso através das personagens e/ou do vilão. Há alguns poucos momentos de sobriedade no terceiro ato, evocando então um terror lovecraftiano, mas que pouco consegue fazer após uma hora de cenas pouco criativas.

Enquanto vemos uma geração de longas de terror sendo genuinamente construídos a partir do medo, conceito que define o gênero, é decepcionante deparar-se com uma narrativa tão pobre como a vista em “Slender Man: Pesadelo Sem Rosto”. Mais lamentável ainda quando se considera que o conceito parte de uma personagem que possibilitaria uma ampla variedade de temas para serem tratados (como a depressão é tão bem retratada em “Babadook”, por exemplo). Longe de ser um filme bem desenvolvido, este Slender Man apenas conseguirá provocar alguns sustos, o que é pouco, considerando que até nisso há obras mais criativas.

Robinson Samulak Alves
@rsamulakalves

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