Cinema com Rapadura

OPINIÃO   segunda-feira, 23 de julho de 2018

Todas as Razões para Esquecer (2018): quem nunca sofreu por amor?

Apostando em um enredo simples, porém com um subtexto rico, o longa de estreia do diretor Pedro Coutinho mostra como a vida normal é muito mais melindrosa que qualquer ficção.

A identificação imediata entre público e personagens ocasiona um dos momentos mágicos do cinema. Poucas coisas são tão gratificantes quanto estarmos vivendo ou termos passado por alguma situação – especialmente emocional – e nos depararmos com as mesmas circunstâncias em tela, com a possibilidade de encontrarmos uma perspectiva totalmente nova, ajudando na superação desse problema. “Todas as Razões para Esquecer” se encaixa sublimemente nesta categoria, reunindo as mais diversas conjunturas que qualquer um que passou por um término de relacionamento já sentiu, transformando-se no filme ideal para ajudá-lo a enxergar a luz que pode guiá-lo a um recomeço.

O longa acompanha a história de Antonio (Johnny Massaro, “O Filme da Minha Vida”), um rapaz comum que trabalha em uma agência de publicidade e se vê totalmente perdido após o término do relacionamento de dois anos com Sofia (Bianca Comparato, da série “3%”). Atormentado pelo fim da relação, Antonio recorre a todos os recursos possíveis para tentar esquecer sua ex, desde terapia e remédios antidepressivos, a até mesmo aplicativos de relacionamento, algo anteriormente considerado impensável pelo personagem.

Como dito, é muito fácil assimilar a trama do filme à sua própria vida particular, afinal como diria o outro, quem nunca passou por uma desilusão amorosa? Porém, o longa-metragem de estreia do diretor Pedro Coutinho busca ser bem mais que isso. Além de toda a jornada de autoconhecimento do protagonista, a obra se propõe a mostrar como funcionam os relacionamentos na sociedade atual, contrastando os mais “antiquados” com a difundida geração dos Millenials. Isso fica claro ao compararmos as tentativas da prima Carla (Maria Laura Nogueira, “Amores Urbanos”) de salvar, a qualquer custo, seu casamento prestes a ruir, com a superficialidade dos casos amorosos do amigo Gabriel (Victor Mendes, “Os 3”), que constrói e destrói relações com a mesma facilidade que envia mensagens pelo celular. O equilíbrio desse paralelo está no próprio Antonio, que dispõe das mais diversas ferramentas para tentar superar o término, mas não consegue tirar Sofia do seu pensamento. A propósito, a forma como a relação entre o casal principal é mostrada, através de flashbacks com um visual delicado e uma edição graciosa, é esteticamente belíssima de assistir.

Não bastasse tudo isso, Coutinho – que também assina o roteiro da obra -, aborda vários males comuns na sociedade contemporânea de uma forma sutil e espontânea, bem acessível para o público geral. Quando Antonio pergunta para sua terapeuta se não haveria como receitar um mix de vários “remedinhos” para corrigir os efeitos colaterais de outro medicamento já previamente prescrito, fica claro o ponto de vista do diretor sobre o quanto a dependência de ansiolíticos para vencer problemas sentimentais está banalizada atualmente. Podemos ainda ver, das mais variadas formas, o quanto a necessidade humana de ter um “abrigo”, seja ele físico ou emocional, aliada ao desejo de ser amado, é capaz de afetar a sensatez e o raciocínio racional de qualquer pessoa. Algumas decisões do protagonista refletem esse estado de espírito, ocasionando desde situações cômicas até constrangimentos inacreditáveis.

Apesar de toda a riqueza de seu subtexto, o longa não deixa de apresentar tons de comédia e romance. Fica evidente a influência de produções como “Ela” (2013) ou “(500) Dias com Ela” (2009), embora o exemplar brasileiro não apresente a mesma qualidade de atuação ou complexidade de roteiro dos demais. No quesito interpretação, apenas Comparato e Massaro – este último cobrado à exaustão – ostentam virtudes, enquanto o restante do elenco oscila muito, sobretudo alguns personagens completamente esteriotipados, que geram estranheza e até mesmo repulsa no público. Já avaliando a narrativa, a obra brilha por apostar na sua própria simplicidade e semelhança com a realidade, pois mesmo o espectador não tendo vivenciado nenhum dos cenários imaginados pelo diretor, é difícil não acreditar que qualquer um deles possa, de fato, acontecer.

Em certa altura, Antonio questiona “quem iria escrever uma história sobre o término do relacionamento de um cara normal”. Ainda que não se trate de um longa perfeito, tivemos sorte que alguém como Pedro Coutinho tenha escrito e dirigido “Todas as Razões para Esquecer”. Um filme simples como seu protagonista, mas tão agradável que deve entrar facilmente no catálogo “o que assistir quando estiver sofrendo por amor” de muitos espectadores.

Martinho Neto
@omeninomartinho

Compartilhe