Cinema com Rapadura

OPINIÃO   quinta-feira, 28 de junho de 2018

Os Incríveis 2 (2018): familiar, representativo e incrível

Continuação da obra de 2004, o longa melhora o que já era bom e ainda atualiza o seu escopo para os dias de hoje.

Quando estreou nos cinemas em 2004, “Os Incríveis” já inovava ao trazer à tona o gênero de super-heróis de uma forma bem original, em uma época onde o Universo Cinematográfico da Marvel sequer existia. Com toda a habilidade ímpar da Pixar, o longa trazia ainda uma discussão muito pertinente sobre família e cotidiano, questionando o que é ser um herói de verdade. Quatorze anos depois, “Os Incríveis 2” não é uma grande novidade ou mudança, mas sim uma atualização necessária e bastante divertida, que se aproveita especialmente do hype criado pelos antigos fãs, agora mais maduros, fazendo-os absorverem uma mensagem forte sobre representatividade e relacionamentos.

O longa já começa nos inserindo novamente naquele universo, onde os heróis são proibidos, e inicia a história bem no momento onde o primeiro filme terminou. Desde já, podemos testemunhar o apreço do visual da obra, que consegue capturar o que já era muito bom e tornar ainda melhor. Sem esquecer das características físicas um tanto caricatas de cada personagem, o foco foi aplicado na melhora, principalmente, das texturas dos objetos. Desde as roupas, até os ambientes de fundo, tudo é muito vivo, fazendo-nos mergulhar ainda mais na história. Destaque ainda para os campos de força de Violeta, tanto no visual, quanto nas novas habilidades que a jovem heroína desenvolveu (aparentemente do nada).

Depois do salvamento inicial, a família Pêra tem que lidar novamente com a pressão pública após os prejuízos financeiros causados pela missão. Contudo, diferente da primeira obra, desta vez os protagonistas têm um trunfo: os irmãos milionários Wilson e Evelyn Deavor, que desejam a volta dos heróis à legalidade. Acontece que os patronos decidem que a Mulher-Elástica é a escolha perfeita para alavancar a causa, deixando o Sr. Incrível, antes ávido por novas aventuras, como responsável pela casa e pelos três filhos. O momento histórico atual casa perfeitamente com a decisão de trazer o protagonismo feminino à tona, mesmo com o diretor Brad Bird (“Tomorrowland: Um Lugar Onde Nada é Impossível”) revelando que a ideia já existia bem antes da eclosão de movimentos como o #MeToo e o Time’s Up, tanto que o assunto é discutido explicitamente durante o filme, entre Helena e Evelyn.

A inversão de papéis se mostra muito eficiente ao trazer um novo olhar para a história. Ao passo que Beto se desdobra para cuidar de tudo e provar que é capaz, Helena experimenta, pela primeira vez, como é estar no centro dos holofotes e escapulir da rotina da família. Esse paralelo é o ponto alto do filme, pois trabalha muito bem a relação entre esses deveres – a própria Edna questiona o que pode ser mais heroico do que ser pai -, dando tempo suficiente para ambos brilharem. Enquanto a Mulher-Elástica está se esticando pela cidade em várias cenas de ação e perseguição, salvando o dia, o núcleo mais divertido traz o Sr. Incrível precisando usar toda a sua flexibilidade ao lidar com Violeta, desiludida após a memória de sua paixonite ter sido apagada; com Flecha, mais agitado do que nunca; e Zezé, que está cada vez mais desenvolvendo seus poderes. Aliás, todas as cenas que envolvem o bebê Pêra são engraçadíssimas.

Embora não seja levada tão a fundo em nenhum dos dois longas, fica explícita a reflexão de que um relacionamento não se sustenta se cada um fizer apenas o que acha que é certo ou só o que lhe agrada. Tanto que – como esperado – apenas a união de toda a família (e amigos) se mostra capaz de resolver o problema enfrentado por eles. Talvez aí se encontre o maior problema da sequência, pois aposta numa trama previsível, tanto no clímax quanto no desfecho, mas que se segura no carisma dos personagens e nas eficientes cenas de ação.

Brad Bird soube dosar perfeitamente o quanto trazer do primeiro filme para reativar as lembranças dos aficionados pela obra. Algumas falas e gestos podem até passar desapercebidos aos menos atentos, mas certamente as situações envolvendo Edna e Lúcio com sua esposa, vão trazer a sensação nostálgica e divertida que se esperava. Além disso, a dublagem brasileira mantém boa parte dos profissionais que trabalharam no original – rendendo algumas piadas localizadas simplesmente sensacionais -, e a trilha composta por Michael Giacchino (“Jurassic World: Reino Ameaçado”) nos joga de volta para 2004 desde o primeiro minuto do longa.

Por se tratar de uma das poucas continuações da Pixar, “Os Incríveis 2” não precisa mais usar tantas referências do gênero de super-heróis, encontrando em seu próprio alicerce o material necessário para ser uma grande obra cinematográfica. De quebra, entretém tanto quanto instrui o público mais jovem e, claro, agrada demais os fãs que tanto aguardaram pela sequência.

Martinho Neto
@omeninomartinho

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