Cinema com Rapadura

OPINIÃO   quarta-feira, 06 de junho de 2018

Jurassic World: Reino Ameaçado (2018): nostalgia com assinatura

Ainda apostando na nostalgia de Jurassic Park, o longa alia grandes momentos com péssimos personagens, sobressaindo ali o toque artístico do diretor de "O Orfanato".

J.A. Bayona não é um diretor qualquer. Definitivamente não é um daqueles caras em que você pode depositar um monte de grana na conta e mandá-lo fazer o filme que você quer. Apadrinhado do bonachão e querido Guillermo del Toro – que teve direito a agradecimento especial nos créditos do filme -, Bayona possui uma lista de quatro ótimos longas em sua trajetória profissional: “O Orfanato”, “O Impossível”, “Sete Minutos Depois da Meia Noite” e agora “Jurassic World: Reino Ameaçado”. Em comum, todos trazem uma assinatura clara de seu realizador, dotados de uma intermitente aura de mistério e suspense, associadas a uma excelente técnica em mirabolantes sequências de ação.

O diretor espanhol meio que pegou o barco andando neste novo filme da milionária franquia de dinossauros. Colin Trevorrow, que dirigiu o primeiro “Jurassic World”, já escrevia o roteiro para “Reino Ameaçado” – ele continua creditado como roteirista e produtor do longa – quando foi chamado pela LucasFilm para dirigir “Star Wars: Episódio IX” e deixou o cargo em aberto. Mesmo desta forma aparentemente descuidada, Bayona absorveu o projeto como seu e conseguiu imprimir a sua marca na franquia, criando uma inimaginável nuance de “casa assombrada” em um filme com dinossauros gigantes.

Isla Nublar, a casa do “Parque Jurássico” e, posteriormente, do “Mundo Jurássico”, está passando por um cataclismo natural que pode extinguir de vez os animais “inextinguidos”. Para salvá-los, um milionário (James Cromwell, de “Babe – Um Porquinho Atrapalhado”) – sempre tem um milionário! – contrata uma equipe de “especialistas” e caçadores para resgatá-los e levá-los para um paraíso isolado. Dentre os profissionais, temos a volta da antes executiva aplicada, e agora ativista dos dinossauros Claire (Bryce Dallas-Howard, de “Meu Amigo, O Dragão”) e seu eterno crush mal resolvido Owen (Chris Pratt, de “Vingadores: Guerra Infinita”). De volta à ilha, os aventureiros enfrentarão não só as dezenas de animais que povoam o agora desativado parque, como um vulcão enorme em erupção. E esta é só a primeira parte do longa, já que uma reviravolta é a força motriz para a segunda metade, esta um tanto mais “contida” e confortável para o diretor brincar.

Se a descrição da trama parece lembrar “Jurassic Park: O Mundo Perdido”, essa semelhança fica somente por aí. Mais uma vez, o grande homenageado é o primeiro “Jurassic Park”, mesclado, porque não, com o primeiro “Jurassic World”. Se mais uma vez o grande “vilão” é um dinossauro geneticamente criado com um design preguiçoso e bastante sem graça – porque diabos os caras não usam a imaginação com tudo?! Esses bichos não existem mais!!! -, eles compensam com a sua movimentação, igualzinha a dos velociraptors do primeiro filme. Se já olhávamos com tristeza e nostalgia para os restos do primeiro parque no moderno World, por que não sentir uma pontada no coração ao ver o próprio World abandonado agora?

O grande problema disso tudo é que só nostalgia, atmosfera e técnica não fazem um filme. Basear-se quase que totalmente nas gags e situações dos filmes anteriores, trazendo poucas inovações verdadeiras para a história, pode tornar a experiência de “Reino Ameaçado” um pouco desgastante. A concepção dos personagens é, de longe, a pior coisa do longa, algo que já tínhamos sentido anteriormente no primeiro filme. A química boba entre o casal de protagonistas permanece – agora sem salto alto, graças a Deus! – com a adição de mais uma dupla, Zia (Daniella Pineda, de “Mr. Roosevelt”) e Franklin (Justice Smith, de “Cidades de Papel”), esta realmente descartável e irritante. Infelizmente, para os roteiristas de filmes da franquia jurássica, todos os nerds do mundo têm que ser medrosos, histéricos e inoportunos, assim como os vilões humanos precisam ser caricatos e unidimensionais. Mesmo que um deles aqui – temos vários desta vez – justifique suas condutas baseando-se nas atitudes de outros personagens “bonzinhos” no passado – o que é interessante -, os outros são apenas bobos gananciosos que “pedem” um encontro mais próximo aos dentes das feras carnívoras. Destaque negativo para o ator Toby Jones (“Boneco de Neve”), que vem se especializando em vilões carnavalescos e entrega aqui uma das piores pseudoimitações de Donald Trump que o mundo do entretenimento já viu.

No entanto, Bayona traz tanta força e liberdade para o longa, que acaba influenciando também os criadores coadjuvantes, como o ótimo Michael Giacchino (“Viva: A Vida é uma Festa”). Aqui o compositor acompanha o clima de terror imposto pelo diretor e se livra quase que totalmente das melodias inesquecíveis de John Williams, incrivelmente não diminuindo a força da trilha. Criando uma quase ópera com fortes arroubos de “epicidade”, a música é um deleite e casa totalmente com a história que está sendo contada. Créditos também para os profissionais de efeitos especiais, que mais uma vez mesclam bonecos animatrônicos com computação gráfica, trazendo vida e estofo para acreditarmos que aqueles animais existem de verdade e fazem, de novo, que nos importemos com eles. Sem esse trabalho cuidadoso, todo o enlace da Velociraptor Blue com seu treinador seria perdida, sendo ele um dos grandes pilares da trama do longa.

“Jurassic World: Reino Ameaçado” é um bom exemplar da tão querida franquia jurássica. Mesmo com alguns tropeços e com um apego ainda muito grande aos momentos clássicos do primeiro filme, o longa se renova quando aponta para o futuro da série e quando abre alas para uma visão inovadora, vinda de seu diretor apaixonado pelo horror e também pela correria.

Rogério Montanare
@rmontanare

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