Cinema com Rapadura

OPINIÃO   quinta-feira, 03 de maio de 2018

Onde Está Segunda? (2017): diversão feita para um dia enfadonho

O novo longa de Tommy Wirkola apresenta, em proporções inversas, uma grande falta de reflexões típicas do gênero sci-fi e muitos furos de roteiro, teoricamente compensados com ação em ritmo frenético.

Por mais que o sci-fi seja comumente utilizado como pano de fundo para histórias maiores, são esperadas, em longas deste escopo, temáticas voltadas para discussões filosóficas, especialmente focadas no intelecto humano. Porém, os estereótipos marcantes, como naves espaciais ou aparatos high-tec, acabam estigmatizando algumas obras menos profundas como ficções científicas. “Onde Está Segunda?” envereda por este segundo caso, desperdiçando por completo a chance de trazer uma discussão relevante para o público, mas apresentando uma assistível projeção de ação – mesmo repleta de clichês.

A trama se passa em um futuro onde as famílias foram proibidas de ter mais de um filho, e todos os irmãos “irregulares” são encaminhados para a criogenia. Nesse contexto, Terrence Settman (Willem Dafoe, “Projeto Flórida”), um pai distante, é surpreendido pela morte de sua filha após dar a luz a sete gêmeas. Incapaz de aceitar a perda de seis das netas para a Lei de Alocação de Crianças, ele decide treiná-las a viver escondidas e inseridas na sociedade apenas sob uma identidade: Karen Settman. Só que cada irmã só pode sair para o mundo real no dia da semana correspondente ao seu nome – a cena onde o avô decide nomear as recém-nascidas causa até certa vergonha alheia.

Não há como negar o quanto a história é inusitada, mesmo baseando-se em estereótipos como a superpopulação ou gêmeos assumindo uma única identidade. Embora a própria premissa beire o absurdo, é interessante notar que o filme começa sempre se levando a sério. Isto é perceptível especialmente no primeiro ato, em uma cena emblemática onde Dafoe e a atriz estreante Clara Read, responsável por interpretar as versões infantis das sétuplas, mostram como é difícil manter o segredo, tanto para as meninas, que sofrem na pele todas as dificuldades de se manterem exatamente iguais, quanto para a figura do avô, sendo obrigado a tomar uma decisão assustadora.

Personagens gêmeos sempre podem ser problemáticos, portanto é impossível não destacar as excelentes atuações tanto de Noomi Rapace (“Bright”) quanto de Read, a primeira entregando personagens cativantes e (quase) sempre reconhecíveis, enquanto a segunda em uma atuação bem mais sutil, porém igualmente relevante. Se muitos atores não conseguem entregar duas atuações de peso em um mesmo filme, o que dizer da dificuldade de dar vida a sete papeis distintos, cada um com a obrigação de serem marcantes, pois sem isso o espectador ficaria totalmente perdido? Elogios para as duas, mas uma pena que o mesmo não se pode dizer do restante do elenco.

À exceção do carismático porteiro Eddie (Adetomiwa Edun, “Cinderela”) e, com boa vontade, do próprio Dafoe, o restante dos personagens não chega nem perto da qualidade de Rapace na atuação, superando uns aos outros em falta de carisma e profundidade. A vilã Nicolette Cayman (Glenn Close, “Correndo Atrás de um Pai”) é extremamente rasa, com motivações insustentáveis e sem nunca deixar claro se realmente sabia o que seu projeto de lei estava causando na sociedade, enfraquecendo sua posição como antagonista. Além dela, outras figuras como o chefe da equipe de segurança (Vegar Hoel, “Zumbis na Neve 2”) ou a própria falta de background do avô – que aparentava ser um personagem interessante, mas ficou totalmente esquecido a partir do segundo ato – só atestam o quanto a construção do elenco é pobre.

A concepção da história tem seus altos e baixos. É interessante perceber e montar teorias sobre o universo apresentado, mesmo com pouco material a disposição, como nos momentos onde fica claro o ódio da população contra as autoridades responsáveis pela regulação dos irmãos, ou ainda a dificuldade de conseguir alimento natural, especialmente de boa qualidade. São conceitos como estes que enriquecem uma trama baseada em ficção científica, fazendo o espectador acreditar na realidade proposta. Justamente por isso é tão inconcebível imaginar que, em um mundo tão tecnologicamente avançado, o apetrecho mais importante, fundamental para toda a regulamentação em que a sociedade se baseia, seja uma pulseira física aparentemente simples de ser “hackeada”, afinal, o personagem de Dafoe não havia mostrado nenhum conhecimento na área e consegue executar isso sem muitas dificuldades. Sem falar no uso gratuito de muitas outras tecnologias, não acrescentando nada de muito relevante na trama ou mesmo na história do sci-fi em geral, além de vários outros furos.

Posto tudo isso, é fácil perceber que o filme idealizado por Tommy Wirkola (“João e Maria: Caçadores de Bruxas”) trata-se de uma ficção científica feita não para quem é fã do gênero, mas sim para os que não se importam em assistir mais uma ação cheia de furos e clichês, desde que se divirtam durante o processo. Isto fica muito claro desde o segundo ato, onde o ritmo do longa torna-se cada vez mais frenético e empolga todos que conseguiram embarcar na história. Embora a semana ganhe um novo significado com este filme, a obra só parece entreter no dia mais entendiante e cansativo em que for assistida, onde qualquer outra opção semelhante poderia funcionar tão bem ou (provavelmente) até melhor que ela.

Martinho Neto
@omeninomartinho

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