Cinema com Rapadura

OPINIÃO   quinta-feira, 29 de março de 2018

Uma Dobra no Tempo (2018): de boas intenções, o inferno está cheio

Com escolhas visuais discutíveis, edição bisonha e personagens irritantes, o novo longa da diretora Ava DuVernay é uma surpresa bastante desagradável.

Vez ou outra aparecem intrépidos cineastas dispostos a adaptar obras que, em tese, parecem inadaptáveis. “Uma Dobra no Tempo”, um livro de 1963 escrito por  Madeleine L’Engle, é considerado, desde seu lançamento, um exemplo de composição muito difícil de ser transposta para qualquer outro tipo de mídia, seja peça de teatro, programa de TV ou filme. Entra em cena então a talentosa diretora Ava DuVernay, mão firme e segura por trás de longas poderosos como “Selma: Uma Luta Pela Igualdade” e “A 13ª Emenda”, que aceita o desafio de trazer para as telas o pequeno romance juvenil e transcendental. Com resultado, infelizmente, pra lá de desajeitado.

Meg (Storm Reid, de “A Happening of Monumental Proportions”) é uma adolescente padrão: levemente revoltada, antissocial e insatisfeita com sua aparência. A menina sente que todos os seus problemas só existem porque seu pai, um cientista maluco (Chris Pine, de “Mulher Maravilha”), desapareceu. Ao lado de seu absurdamente irritante irmão Charles Wallace (Deric McCabe, de “Hold On”) – guarde esse nome – e de um menino da escola que nunca havia falado com ela, mas que topou com a dupla, literalmente, no meio da rua (Levi Miller, de “Peter Pan“), eles aceitam o desafio de embarcar em uma jornada pelo universo, sendo guiados por um trio de entidades mágicas sem nenhum senso de dress code: Senhora Qual (Oprah Winfrey, de “O Mordomo da Casa Branca”), Senhora Queé (Reese Witherspoon, de “De Volta para Casa”) e Senhora Quem (Mindy Kaling, de “Divertida Mente”), para encontrar o patriarca da menina.

DuVernay já começa errando à partir do momento em que não encontra seu foco. Ora científico e tecnológico, ora infantil, ora espiritualista, ora boboca ao extremo, a diretora parece não saber qual é exatamente o público de seu filme e, por isso, atira a esmo, não causando identificação ou atração para com nenhum de seus personagens e situações. Se a história de três jovens que adentram um mundo mágico sensorial em busca de um ente querido, já não é assim aquele plot inédito, DuVernay nada faz para enriquecê-lo. Se o intuito é mostrar que os jovens de hoje precisam encarar com mais vivacidade e determinação o controle de suas vidas, aceitando suas verdades e entendendo as diferenças do mundo, o longa até esboça completar a tarefa, mas pouco se utilizando do mundo mágico ali criado. Praticamente, todas as soluções encontradas para os problemas dos personagens poderiam ter sido implementadas no mundo real, somente utilizando o ambiente escolar ou domiciliar como pano de fundo.

Apesar do “rocambolismo” dramático, a característica mais marcante do longa, de longe, é o seu péssimo design. No geral, nada funciona. Os cenários são basicamente formados por ambientes virtuais mal renderizados e a interação dos personagens com o meio chega a ser até vexatória em alguns momentos. A velha sensação de que estamos assistindo atores na frente de uma tela verde é praticamente intermitente. Os figurinos são tão estrambólicos, que é até difícil entender qual é o objetivo de cada uma das roupas. Os apetrechos soam gratuitos, somente se amontoando para criar algo estranho e desagradável de se olhar. A trilha sonora não fica de lado e mostra-se fora de contexto quase o tempo todo. O filme até insinua contar a sua história através de músicas em algumas cenas, mas logo deixa essa ideia de lado.

Não é difícil entender porque as poderosas e feministas Winfrey, Witherspoon e Kaling embarcaram neste projeto. Em conceito, ele seria uma ferramenta empoderadora, que mostraria uma garota negra encarando a vida de frente, sendo um exemplo para seus pares e mostrando que tendo um coração valente, o mundo pode ser mudado. Pena que infelizmente toda esta história soe mais rasa que um pires, no final das contas, e que todo este conteúdo seja diluído em um texto pobre e rasteiro. Se em matéria de atuação as três se garantem, os papeis que elas interpretam são esdrúxulos. Pior ainda para Kaling, que passa o filme todo com um sorriso patético no rosto e proferindo citações de terceiros tão batidas, que até a minha mãe já me mandou pelo Watsapp. A garota Storm Reid é uma boa atriz, mas não a ponto de tomar o filme para si, como deveria ser aqui. Contra ela, temos o fato de que ela atua o tempo todo com as três deusas bizarras e com dois garotos insuportáveis. Levi Miller, o namoradinho de ocasião, é um manequim que passa o filme todo com um bico no rosto e Deric McCabe, o nominado 937 vezes Charles Wallace – tanto no livro, quanto no filme – deve ter se inspirado em dois ícones do mundo pop para dar vida ao seu personagem: o anfitrião anão Tatoo (Hervé Villechaize), de “A Ilha da Fantasia” e Franklin (Noah Gray-Cabey), o garotinho gênio da série de TV “Eu, a Patroa e as Crianças”.

É difícil entender os motivos que levaram Ava DuVernay à fazer “Uma Dobra no Tempo”. Um filme brega, desmembrado, com uma edição errada e desequilibrada, e pior, que falha em emocionar e cativar qualquer tipo de público. Se você quiser assistir a filmes que levam todas as boas intenções deste longa à sério, e que as executam com primor irretocável, fique com “Labirinto: A Magia do Tempo” e/ou “História Sem Fim”. Longas feitos nos anos 80 que não se escondem em estrepolias computadorizadas para encantar.

Rogério Montanare
@rmontanare

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