Cinema com Rapadura

OPINIÃO   quinta-feira, 01 de março de 2018

Além da Morte (2017): quando um remake definitivamente não é necessário

Desperdiçando potencial, o longa reconta uma história que já era mediana de forma ainda mais incompetente.

A onda de remakes e reboots que atinge Hollywood parece longe de acabar. Não bastasse a necessidade de refazer filmes de outra época com a visão atual, pretendendo ao menos atualizar obras consagradas, parece que a moda agora é recontar qualquer história, por mais mediana que seja. Mais um dentro da imensidão de exemplos que engloba esses termos é “Além da Morte”, refilmagem do longa “Linha Mortal” (1990), que não só foge de qualquer tentativa de trazer algo novo, como consegue a proeza de ser pior que seu material de origem.

A trama dos dois longas tem uma premissa simples, porém repleta de possibilidades: cinco estudantes de medicina decidem estudar o que acontece com seus corpos no pós-morte, passando pela experiência de terem seus corações parados e depois revividos. Embora esse argumento apareça muito gratuitamente no início do filme, o pouco que o diretor Niels Arden Oplev (“Os Homens que Não Amavam as Mulheres”) desenvolve de seus personagens – especialmente de Ray (Diego Luna, de “Rogue One: Uma História Star Wars”) – é suficiente para justificar o entusiasmo com a experiência. No entanto, mesmo com uma química interessante entre eles, a representação do grupo é completamente baseada em estereótipos, o que deixa a obra ainda mais genérica.

É interessante notar que discutir a vida após a morte abre um leque de possibilidades absurdo, que inclui tanto noções médicas quanto aspectos de terror psicológico. O longa dá indícios que se leva a sério, ao inserir várias implicações científicas, além de deixar à vista que a justificativa para tais eventos é um estudo. Isso condiz com o que vinha sendo apresentado até então, afinal, é de se esperar que estudantes fiquem empolgados com novas descobertas, além de mostrar o despreparo da maioria, fruto da inexperiência na profissão. Até então, parecia que o remake seria realmente justificável, abordando a premissa de um jeito um pouco mais pé no chão do que o original, porém utilizando metáforas visuais interessantes e aceitáveis para retratar os acontecimentos no pós-morte. Até algo minimamente esquisito como “recarregar” o cérebro é explicado de uma forma satisfatória, envolvendo ciência. O grande problema começa quando a real intenção do longa se mostra.

Não é exatamente uma surpresa, afinal de contas, os trailers e materiais promocionais já antecipavam que fenômenos assustadores estariam presentes em algum momento. O defeito do roteiro escrito por Ben Ripley (“Contra o Tempo”) é deixar de lado tudo que vinha sendo apresentado até então e investir em um terror ordinário e sem tensão, apelando para toda a sorte de truques baratos e ultrapassados do gênero, desde trilha sonora estourada, aparições desnecessárias e até mesmo um choro de bebê completamente gratuito e deslocado. Além do mais, todas as situações apavorantes que se seguem são baseadas nos acontecimentos pregressos das vidas dos personagens que, à exceção de Courtney (Ellen Page, de “A Origem”), sequer são bem apresentadas. A montagem, refém do péssimo texto, chega a fazer com que um dos traumas passados seja apresentado imediatamente antes de fazer impacto no presente, gerando zero empatia do público.

O mais frustrante de tudo é perceber, durante o filme, o quanto fomos enganados pela trama enquanto ela arranha conceitos interessantes e instigantes. Como se não bastasse, a forma como a obra muda de gênero, relegando tudo que vinha sendo construído, é decepcionante. Isso fica claro em como os estudos do assunto são completamente esquecidos, ou ainda na forma patética como o longa termina, inacreditável, no pior sentido da palavra.

Evidenciando a crise criativa que Hollywood enfrenta, “Além da Morte” é um exemplar característico de potencial desperdiçado, pois além de não fazer jus ao original – que já não era lá grande coisa, mas ao menos foi marcante -, acovardou-se ao tentar inovar, tornando-se apenas mais do mesmo. Facilmente, este é um longa que figurará na extensa lista dos remakes esquecíveis.

Martinho Neto
@omeninomartinho

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