Cinema com Rapadura

OPINIÃO   segunda-feira, 08 de janeiro de 2018

O Estrangeiro (2017): mais que adrenalina desmotivada

Com viés realista, o filme é ambicioso ao inserir um subtexto político pouco comum nos filmes de ação. Porém, a matéria chega a ofuscar a trama principal, vivida por um ótimo Jackie Chan.

Confundindo justiça com vingança, um pai com habilidades muito especiais não mede esforços para concretizar seu objetivo. Similar a “Busca Implacável”, porém com menos ação e mais tensão, “O Estrangeiro” se inicia com a morte da filha do protagonista, não com um sequestro.

Sem delongas, nos primeiros minutos a filha de Quan (Jackie Chan, de “Fora do Rumo”) falece em um atentado terrorista cometido por um grupo que se anuncia como “IRA Autêntico”, nova facção do Exército Republicano Irlandês. Percebendo a demora das autoridades, Quan recorre a Liam Hennessy (Pierce Brosnan, de “Invasão de Privacidade”), atual político do Reino Unido e ex-integrante do IRA, para que forneça os nomes dos responsáveis a qualquer custo.

O roteiro não tarda para chegar ao argumento, é verdade, mas não tem pressa para iniciar a ação – o que não é ruim, pois demonstra esmero no seu desenvolvimento. Ainda mais importante, existe uma preocupação em dar algum embasamento fidedigno ao plot, já que as dissidências no IRA não residem apenas na ficção. A despeito de, oficialmente, o grupo ter encerrado a sua luta armada em 2005, é fato público (real) que remanescem integrantes que insistem nas antigas práticas, retomando o movimento, com os mesmos princípios e nomes semelhantes. Partindo dessa premissa, Stephen Couro escreveu “The Chinaman”, livro que deu origem ao script de David Marconi (mesmo criador da ideia original de “Duro de Matar 4.0”). No caso do filme, a questão política é tão enaltecida que ofusca um pouco a trama principal da vingança de Quan, o que é prejudicial ao dividir o foco narrativo e tornar o texto confuso.

A conexão entre as personagens é feita por eventos pretéritos – no geral, bem explicados – ou pelo acaso – hipótese jamais confortável em um plot, todavia, o recurso é constantemente utilizado. Ao contrário do que geralmente ocorre nos filmes de ação, a construção das personagens é bem feita: Liam é multifacetado, dividido entre os princípios da sua juventude e o comodismo do trabalho burocrático, na mesma medida em que se divide também na sua vida afetiva; Quan pode parecer um humilde e honesto dono de um restaurante, que justifica seus atos porque não tem nada a perder, mas sua moral se torna questionável na medida em que os meios que utiliza para atingir seus fins são irrefreáveis (como ao tentar subornar uma autoridade pública). Até mesmo o sobrinho e a esposa de Liam, personagens secundários, recebem arcos dramáticos pessoais cuja relevância para a trama é inquestionável em determinado momento da narrativa.

Pierce Brosnan representa bem o homem arrogante e prepotente que aos poucos percebe que subestimou uma ameaça. Sua caracterização (barba, roupas formais e tatuagens) enfatiza sua figura controversa (em especial considerando seu passado). Entretanto, quem se sobressai é Jackie Chan, especialmente nos momentos dramáticos, apresentando olhar vazio e semblante desolador, deixando claro o desespero de Quan, que não tem mais nada a perder. Também a linguagem corporal do ator é fundamental, já que somente por parecer inofensivo é que Liam subestima seu algoz.

Salvo por um “momento MacGyver” promovido pelo protagonista, no geral, a direção de Martin Campbell prima pelo realismo, usando bem os diversos efeitos práticos e não tem pudor em mostrar o quão horrível é o resultado de um ato terrorista (expondo destroços, pessoas mutiladas e cadáveres). Sem dúvida, depois de “Lanterna Verde”, o diretor de “007 – Cassino Royale” se aproxima do que já tinha feito em “O Fim da Escuridão” e retoma a boa forma.

As lutas são bem coreografadas, mas o excesso de cortes é incômodo, principalmente através de uma filmagem priorizando planos abertos. Ainda assim, o maior acerto de Campbell foi evitar a “chucknorrização” do herói, comum no gênero (vide “O Protetor”, “John Wick” e o próprio “Busca Implacável”), fazendo com que Quan seja mais heroico e menos super-heroico. Assim, ao lutar, o protagonista sofre, levando golpes, se cansando e visivelmente sofrendo dor, pois não é invulnerável – apenas compensa suas limitações com estratégia e armadilhas.

Existe um exagero no espaço dado à matéria política, que não é principal no longa, reduzindo em demasia o tempo de tela concedido a Chan/Quan. Entretanto, há que se reconhecer a ambição de (tentar) ser mais que adrenalina desmotivada, havendo, realmente, mais substância no plot de “O Estrangeiro” do que se costuma ver nos concorrentes.

Diogo Rodrigues Manassés
@diogo_rm

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