Cinema com Rapadura

OPINIÃO   terça-feira, 09 de janeiro de 2018

120 Batimentos por Minuto (2018): o documento, a luta e o romance

Tendo o próprio diretor sido membro do ACT UP, grupo que movimenta a trama, o filme transita entre lembranças e ficção. Este amalgama, ao mesmo tempo que permite uma criação interessante, é o responsável pela principal falha do longa: o excessivo tempo de tela.

A luta contra a AIDS nos anos 90 era muito mais crítica do que atualmente. Mais do que isso, o preconceito que ela trazia tornava a vida de seus portadores um verdadeiro inferno na Terra. Em “120 Batimentos por Minuto” temos uma breve amostra de como era a enfrentar a doença biológica (o vírus) e a social (o preconceito), algo que todo o soropositivo da época acabou passando de alguma forma. 

O filme de Robin Campillo (“Eles Voltaram”) mostra os bastidores e a atuação do grupo ativista ACT UP, durante a década de 1990, na luta contra a indústria farmacêutica (aqui representada pela Melton Pharm) e o lobby realizado em cima de medicamentos para o tratamento da AIDS.

É numa mistura de memórias e ficção, que  o longa tenta fazer justiça ao mostrar a luta de um grupo contra o conservadorismo francês e ao lobby da indústria farmacêutica. Concomitantemente, há uma construção de um romance sem excesso de sentimentalismo. Assim, como o objetivo do filme é mostrar a luta do grupo, o relacionamento amoroso entre Sean (Nahuel Pérez Biscayart de “Aura”) e Nathan (Arnaud Valois de “Eyes Find Eyes”) acaba, corretamente, ficando em segundo plano. O mesmo pragmatismo é demonstrado através da morte de um dos membros do grupo. A personagem tem um arco bem construído mostrando diversas etapas dos males provocados pela AIDS. Sua conclusão, embora trágica, provoca debates mais práticos: por que a indústria farmacêutica demora para apresentar resultados? Por que o debate é tão oculto na mídia (considerando o período em que a história acontece)? Como lidar com o medo da morte? A discussão do que não é mostrado, mas sugerido por cenas, nas quais as personagens choram ou se exaltam – aparentemente sem motivo algum – é comovente, sem ser apelativa.

Há também um caráter documental no filme. Um cuidado de mostrar ao público, nos primeiros minutos, como funcionam as reuniões do grupo e suas ações. Há um interesse didático em acompanhar cada um dos membros em suas falas. E os poucos cortes (somados aos movimentos da câmera, inicialmente perdida como nós, tentando entender o que está sendo falado e quem são aqueles que falam) do início reforçam essa ideia, algo que logo é deixado de lado, buscando mais dinamismo, como na cena da invasão à Melton Pharm.

Contudo, quando Campillo se preocupa em mostrar o relacionamento de Sean e Nathan, que passam a assumir o protagonismo do filme (algo inexistente até então), há uma evidente mudança no ritmo, deixando-se o grupo e suas ações de lado. A intenção passa a ser evidenciar os dramas sofridos por um soropositivo em sua luta pela vida. Enquanto o poder da sugestão conseguia abordar isso na primeira metade, o novo plot é mais óbvio, deixando sempre claro os dramas. Algo que ainda influencia na longa duração do filme (a ausência desse arco poderia retirar 20 minutos sem perder na qualidade).

Mas mesmo nesse excesso existem méritos, e as atuações de Nahuel e Arnaud são primorosas. Enquanto o primeiro chama a atenção por seu comportamento envolvente e carismático, o segundo vai pelo outro lado, como um novato no grupo que é mais tímido e introspectivo. Daí surge um relacionamento tão plausível e honesto, que compensa (em partes) os cansativos 140 minutos do filme. E não apenas aos dois cabe o destaque, boa parte do elenco principal do ACT UP está muito bem.

Assim, apesar de uma segunda metade que tropeça em alguns clichês, “120 Batimentos por Minuto” é eficiente em mostrar uma luta árdua na França da década de 1990 pela simples vontade de viver. Soma-se a isso um destaque à abordagem menos sentimentalista do relacionamento, mesmo quando ele reluta em roubar a cena.

Robinson Samulak Alves
@rsamulakalves

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