Cinema com Rapadura

OPINIÃO   quinta-feira, 21 de dezembro de 2017

O Rei do Show (2017): não fascina como musical, mas é eficiente como entretenimento

A narrativa é previsível, a trilha sonora não é extraordinária e as coreografias são singelas. Porém, uma das canções originais é uma ode aos excluídos e, mesmo que de maneira rasa, o longa menciona estas questões debatidas ainda hoje.

Quem pode dizer o que é arte? O questionamento é muito bem abordado no longa “O Sorriso de Mona Lisa” (2003), com a estrela Júlia Roberts . No caso de “O Rei do Show”, a perspectiva é um pouco distinta, minimizando a arte e colocando o foco no entretenimento. Para o protagonista do longa, Phineas Barnum, entreter é mais importante que fascinar.

Vivido por Hugh Jackman (“Logan”), Barnum é um showman empreendedor que divide a opinião pública: para alguns é um farsante, pois seu show é dotado de montagens falaciosas; para outros, um indivíduo odioso que reúne pessoas que a sociedade rejeita e que deveriam permanecer ocultas; e, para um terceiro grupo (a alta sociedade), é um mero entertainer da parcela mais pobre da população. O filme mostra a sua trajetória, fazendo de sua biografia, um musical.

Trata-se de uma narrativa bastante previsível por duas razões: a primeira é tratar-se de uma história real bastante conhecida; a segunda, pelas opções de roteiro, que de tão óbvias, chegam a ser entediantes em alguns momentos. Em síntese, o longa não tem surpresa alguma. Jackman tem um carisma descomunal, todavia, a derrocada da sua personagem lhe é bastante prejudicial e a parceria com Michelle Williams (“Manchester à Beira-Mar”) não dá certo porque o casal não tem muita química, soando um romance insosso.

No polo oposto, Rebecca Ferguson (“Boneco de Neve”) vive um elemento de aleatoriedade mal utilizado pelo roteiro – merecem atenção os momentos em que ela aparece cantando, quando, na verdade, está sendo dublada. Quem se destaca cantando e atuando é Keala Settle (“Ricki and the Flash: De Volta Para Casa”) – certamente, a melhor no filme –, com uma voz forte e dramaticidade na medida certa. Não à toa, é quem protagoniza a poderosa canção “This is me”, cuja melodia e significado expressam um verdadeiro hino de orgulho de aceitação própria. Uma verdadeira ode aos excluídos. Além de belíssima, essa canção original é marcante e dá voz a muitos discriminados, razão pela qual merece ser celebrada. “Never Enough”, na voz de Loren Allred – e visual de Ferguson -, também é muito bonita, mas não tão significativa.

Para um primeiro trabalho de direção, Michael Gracey pode dar-se por satisfeito. Desde uma fotografia que consegue usar cores variadas sem deixar o visual confuso, até um figurino extravagante, Gracey, em visão macro, tem saldo positivo em seu trabalho. Mesmo nos pequenos detalhes, existem acertos como as elipses surpreendentes e inteligentes – na cartola de Barnum e na barriga de Charity – e uma referência estética ao clássico “Amor, Sublime Amor” – os edifícios nova-iorquinos, com roupas estendidas nos varais, na fase mais romântica do protagonista. Negativamente, o ritmo da direção é inconstante e, em alguns momentos, a câmera é colocada muito próxima aos artistas, prejudicando a visualização da cena como um todo – é o que ocorre no dueto entre Carlyle (Zac Efron, de “Baywatch”) e Anne (Zendaya, de “Homem-Aranha: De Volta ao Lar”).

Prevalece na película uma energia alegre, contagiante, que se reflete nas músicas – a despeito de a trilha sonora não ser boa como a de “La La Land”, mesmo tendo os mesmos compositores. Ocorre o mesmo com as coreografias, que são demasiadamente singelas – basta comparar com “Footloose” e “Chicago”, por exemplo, que não dependeram de coreografias de casais, ainda que ocasionalmente as tivessem, ou seja, a ausência de um casal para dançar não seria desculpa. Cabe mencionar um equívoco histórico: para um musical, é um erro fazer tantas referências ao jazz – como na sequência em que Barnum procura atrações -, já que o movimento nasceu no final do século XIX em Nova Orleans, enquanto o filme se passa em Nova Iorque, na metade do mesmo século.

É positivo ver um musical estilisticamente pensado como um feel good movie que mencione, ainda que superficialmente, temáticas que acabam sendo contemporâneas. As duas principais são: a estratificação social, da qual decorre um sistema de castas velado, que marginaliza indivíduos; e a terminologia antidiscriminação, rotulada equivocadamente como “politicamente correta” – a diferença entre “pessoas exóticas” e “aberrações”. Também as conversas entre Barnum e o crítico de teatro são instigantes, principalmente as do final. Se não é um musical fascinante enquanto arte, “O Rei do Show” acaba sendo um entretenimento eficiente.

Diogo Rodrigues Manassés
@diogo_rm

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