Cinema com Rapadura

OPINIÃO   domingo, 03 de dezembro de 2017

Extraordinário (2017): preciosas lições que emocionam

Apesar de não alcançar o nível do pomposo nome, o filme atinge o objetivo de qualquer manifestação artística: gerar reações em seu público. Dificilmente o espectador ficará indiferente a ele.

Quando tiver que escolher entre estar certo e ser gentil, escolha ser gentil”. Essa é apenas uma (provavelmente a mais clara, enfática e didática) das preciosas lições que “Extraordinário” tem a oferecer. Isso sem desconsiderar outras virtudes, apesar de o filme não alcançar o nível do pomposo nome.

Baseado no livro homônimo de R. J. Palacio, o longa acompanha Auggie Pulmman (Jacob Tremblay, de “O Quarto de Jack”), garoto de dez anos que nasceu com uma grave deformação facial, prestes a enfrentar o desafio de abandonar o homeschooling para frequentar a escola regular e o convívio com os colegas da mesma idade.

Se é verdade que o argumento é uma catapulta fácil para a pieguice, não é menos verdade que o roteiro dribla essa armadilha para se aventurar em gêneros diversos e se tornar, em termos de saldo, um filme bem agradável (ainda que, talvez, prevaleça o drama). Evidentemente, o mote é o bullying sofrido por Auggie nas aulas: logo no primeiro dia, ele sofre o impacto, com sequências que reverberam de maneira tocante no público. Contudo, “Extraordinário” não se reduz a isso, tendo momentos de comédia (razoáveis) e de romance (fracos). No aspecto dramático, ao contrário do que se pode pensar, a película não tem um viés “soco no estômago”. Isso é um pouco pessoal, algumas pessoas têm maior sensibilidade, mas fica clara a intenção de não ser marcado como um filme que fez o público desidratar – ainda que, cabe ressaltar, tenha cenas com potencial avassalador.

A maior parte das reflexões vem mastigada, inclusive em razão do público-alvo, todavia, o mero fato de ter camadas a mais pode ser visto como um diferencial, afinal, nem todos os filmes têm essa preocupação. Por exemplo, quando Auggie lembra o ensinamento de sua mãe (para esquecer que as pessoas o estão olhando: “se você não gosta de onde você está, imagine que está em outro lugar”), é um conselho que vai além do bullying: seja lá qual for o problema, os outros não vão mudar, então aprenda a conviver com ele. O único aspecto – nuclear, é preciso mencionar – que não é entregue ao espectador de forma simplória é o conceito de comum e a sua valoração.

Auggie é inteligente e engraçado, simplesmente fascinante. A atuação de Tremblay (com pesadíssima maquiagem) é sensível e impecável, brilhando tanto sozinho quanto nas interações, em especial com uma inspirada Julia Roberts (“Jogo do Dinheiro”), que vive sua mãe. Enquanto a mãe é a autoridade da casa, que, conscientemente, largou tudo para cuidar do filho, o pai é o sujeito divertido, tranquilo e que evita exercer a função de autoridade (ao contrário, prefere ser o “pai amigo”). Ninguém melhor que Owen Wilson (“Zoolander 2”) para o papel. Já Izabela Vidovic (“Linha de Frente”) foi um equívoco na escalação: uma atriz insossa para um papel (Via, irmã de Auggie) que se torna ainda mais desinteressante graças a ela. O arco dramático de Via só ganha cores quando sua amiga Miranda (Danielle Rose Russell, de “Sob o Mesmo Céu”) tem maior participação (e a atriz é muito melhor). Ainda assim, o elenco mirim foi subaproveitado: os infantes poderiam interagir em mais cenários, além do refeitório e do corredor. A duração da película é demasiadamente longa para Via e um pouco curta para as crianças.

A estrutura capitular, importada do livro, acaba sendo mal utilizada no filme: embora compreensível, é desconexa, sem comprometer substancialmente o resultado. Enfim, depois de “As Vantagens de Ser Invisível”, é apenas o segundo trabalho de Stephen Chbosky na direção. Há um progresso na mise en scène (que já era boa), com um quarto temático para Auggie (simulando o espaço sideral, como se o protagonista não pertencesse a esse planeta) e diversas referências à franquia “Star Wars” (incluindo participações especiais). Nesse último caso, é possível perceber um exemplo de união entre crianças diferentes. Na punch scene (impressionante, mas muito verossímil), verifica-se o que as afasta.

O que há de melhor em “Extraordinário” é que ele atinge um dos principais objetivos almejados por qualquer manifestação artística: gerar reações em seu público. É possível sorrir, rir, chorar, se enraivecer, se indignar e assim por diante. O filme, em síntese, emociona: dificilmente o espectador ficará indiferente a ele.

Diogo Rodrigues Manassés
@diogo_rm

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